SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A proporção de mortes causadas pelo calor extremo na América Latina deve mais que dobrar e passará de 0,87% para 2,06% do total entre 2045 e 2054. A conclusão é de um estudo que integra o projeto Mudanças Climáticas e Saúde Urbana na América Latina (Salurbal-Clima). Os resultados foram publicados na revista Environment International.
Com a mudança no clima, as ondas de frio mais intensas vão diminuir em alguns países nas próximas décadas, e a tendência é que os óbitos por este motivo também caiam.
O trabalho reúne pesquisadores de instituições de nove países latino-americanos com a participação da USP (Universidade de São Paulo) e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e dos Estados Unidos.
Eles analisaram dados de mortalidade e projeções climáticas em 326 cidades da Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, México, Panamá e Peru.
Os locais foram escolhidos a partir de um estudo anterior com cidades latino-americanas. “Fizemos um corte e escolhemos todas com mais de 100 mil habitantes. Nas muito pequenas é mais difícil de trabalhar: tem menos gente, você vai ter menos mortes e eventos, o que é ruim do ponto de vista estatístico”, explica o professor doutor Nelson Gouveia, titular do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.
“Temos que começar a agir hoje pensando no futuro. Devemos pensar nos nossos filhos e netos porque eles é que vão viver em 2054”, afirma.
O estudo combinou contagens diárias de mortalidade em nível de cidade, dados de temperatura em grade, simulações de temperaturas reduzidas e corrigidas por viés e dados demográficos. Foram projetados os impactos da temperatura-mortalidade em dois cenários de mudança climática, ao mesmo tempo em que se considerou a mudança no tamanho da população, estrutura etária e as taxas de mortalidade específicas por idade.
Segundo Nelson Gouveia, hoje é possível estimar para cada grau de aumento da temperatura o quanto impacta na população. Para o futuro, os pesquisadores estimam as mudanças de temperatura com base nos dados do próprio IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) -órgão das Nações Unidas para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas- e estabelecem cenários.
“Nesse artigo, utilizamos dois cenários de emissões [de gases de efeito estufa, maiores e mais moderados] para prever como as temperaturas estarão em torno de 2050. São projeções baseadas em estimativas do que a gente vem emitindo de gases de efeito estufa para estimar como estará o clima lá na frente. O estudo prevê dobrar a mortalidade em 2054 até no cenário até de emissões mais moderadas.”
“Levamos em consideração que as pessoas estão envelhecendo e terão mais idosos no meio do século. Usando essa estimativa de quanto que as temperaturas impactam na saúde num ambiente onde você vai ter climas um pouco mais severos do que temos hoje, com uma população mais envelhecida, chegamos nesses números. São estimativas baseadas na ciência”, explica o pesquisador.
Para a análise das 152 cidades brasileiras -entre elas, São Paulo e Rio de Janeiro- foram utilizados dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do DataSUS, e do Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010.
Embora o estudo não forneça recortes por cidade ou grupo populacional, ele indica que as áreas urbanas densamente povoadas tendem a enfrentar maiores riscos diante do aquecimento no futuro.
O trabalho concluiu, ainda, que os mais pobres também sofrerão os impactos do calor extremo. “Quem vive em áreas periféricas, em moradias precárias e sem acesso a ar-condicionado ou a espaços verdes terá mais dificuldade para enfrentar ondas de calor cada vez mais intensas”, diz o professor.
“É a injustiça climática. Não temos a estimativa de quanto que essa parcela vai aumentar ou diminuir. Esperamos que a desigualdade social diminua, mas isso não foi levado em conta nesse estudo.”
AGRAVAMENTO DE DOENÇAS
O calor extremo aumenta o risco de infartos, insuficiência cardíaca e outras complicações, especialmente em pessoas com doenças crônicas. Idosos e crianças estão entre os grupos mais vulneráveis.
“Quanto mais conseguirmos diminuir a emissão de gases de efeito estufa, a queima de combustíveis fósseis, de modo geral, menor será o impacto climático. Então, a perspectiva no futuro pode ser pode ser um pouco melhor, mas é preciso um esforço bastante grande e imediato. Não dá para esperar mais”, ressalta o pesquisador.