BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – A Justiça Federal no Amazonas determinou, em decisão liminar nesta terça-feira (14), a suspensão imediata de um contrato assinado para exploração de créditos de carbono, créditos de biodiversidade e outras soluções baseadas na natureza na Terra Indígena Vale do Javari, a segunda maior do país, na tríplice fronteira de Brasil, Colômbia e Peru.
O contrato foi assinado entre a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e três empresas, sendo uma brasileira (Comtxae Serviços Educacionais, Cultura e Tecnologia), uma espanhola (Biotapass) e uma argentina (Cooperativa de Trabajo Integral Biota).
Em 25 de setembro, o MPF (Ministério Público Federal) ingressou com ação civil pública contra a entidade e contra as três empresas, com pedido de anulação do contrato, assinado em 9 de dezembro de 2022.
A Procuradoria da República em Tabatinga (AM) apontou diversas irregularidades na parceria, com base em documentos de equipes técnicas da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
A decisão liminar foi proferida nesta terça pela juíza federal Cristina Lazzari, da Vara Federal em Tabatinga, uma das cidades mais próximas do Vale do Javari.
Além da suspensão imediata de todos os efeitos do contrato, a magistrada determinou a paralisação de todas as atividades de registro, certificação e comercialização de créditos de carbono, decorrentes do contrato, assim como de outras soluções baseadas na natureza, como é o caso dos créditos de biodiversidade.
Esses créditos são gerados e vendidos a partir do desmatamento evitado e da preservação da biodiversidade no território. Empresas interessadas em compensar emissões de carbono são as compradoras desse tipo de crédito.
As rés da ação civil pública precisam informar quantidades vendidas, quantidades em estoque e preços praticados, se for o caso, conforme a decisão judicial. Todos os documentos relacionados ao negócio precisam ser preservados, afirmou a juíza. O MPF quer a anulação definitiva do contrato, e o pagamento de uma indenização de R$ 10 milhões, a título de reparação por danos coletivos.
“Não há convergência de interesses quanto à exploração de soluções baseadas na natureza na terra Vale do Javari”, disse a magistrada, que apontou “indícios importantes da inexistência do processo de consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas”.
Conforme a decisão, povos de recente contato foram ignorados no processo, e existem “indícios de perigo concreto à própria segurança nacional e soberania do Estado brasileiro”, uma vez que o contrato confere plenos poderes de ingresso de empresas estrangeiras no território tradicional, que fica numa região de fronteira.
A Univaja, em nota após a divulgação da existência da ação civil pública, afirmou que monitora desde abril de 2022 a “grande investida e assédio de empresas” e que houve “cooptação velada de lideranças” e “grave violação da autonomia dos povos indígenas”. Na visão da associação, os documentos foram assinados de forma fraudulenta, e ela se diz vítima desse processo.
“A Univaja apoia a necessidade de investigação profunda e é a principal interessada no esclarecimento dessa situação”, cita a nota. A entidade disse não reconhecer a legalidade de documentos para venda de créditos de carbono.
A Comtxae disse que foi usada e enganada pelas empresas Biota e Biotapass. E que houve “transações obscuras” por parte de ex-diretores.
A Biota afirmou que não houve ingresso de representantes no território. Uma consulta pública, na sede da Univaja, reuniu 80 indígenas de lideranças, por três dias, e depois houve consulta nas aldeias, disse a empresa. A Biotapass não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Documentos da Funai, usados na investigação do MPF, apontam a ofensiva de, pelo menos, sete empresas em busca da exploração de créditos de carbono no Vale do Javari. A Funai chama essas empresas, em um dos documentos, de “biopiratas do carbono”.
Conforme a ação do MPF, no caso do contrato assinado, houve ingresso irregular no território; violação à Constituição Federal, uma vez que o contrato se refere à Univaja como “proprietária” do Vale do Javari; cláusula prevendo exclusividade na exploração de créditos, em todo o território, “restringindo a autonomia dos povos indígenas”; e limitações indevidas a usos tradicionais.
Outras irregularidades listadas na ação, com base em documentos da Funai, são ausência de consulta livre aos indígenas; risco aos indígenas isolados por prever a totalidade do território no negócio; cláusulas desfavoráveis à Univaja -que deve assumir riscos e custos de um fundo fiduciário-; e duração de dez anos do contrato.