SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foi no Copacabana Palace. Quarto 604. Um tiro e cinco principais suspeitos. A vítima: Odete Roitman. A cena faz parte de um dos maiores mistérios da teledramaturgia brasileira, envolvendo a vilã interpretada por Débora Bloch, no remake de “Vale Tudo”, da TV Globo.

A investigação do crime é conduzida pela polícia. A Folha de S.Paulo conversou com delegados e um advogado sobre esse processo —eles apontaram falhas na condução da análise sobre a morte. A expectativa é que o mistério seja desvendado no último capítulo da novela, que será exibido nesta sexta-feira (17).

Caso a investigação seguisse os padrões da vida real, haveria indícios de erros que poderiam comprometer a solução do caso. Entre as falhas mais evidentes está a falta de isolamento adequado da cena do crime. Na novela, apenas o quarto da vilã foi isolado, permitindo a aproximação de curiosos. A barreira, inclusive, é rompida pelo marido da vítima, César Ribeiro (Cauã Reymond).

Para o delegado Adriano Soares, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil de Minas Gerais, o correto seria isolar todo o andar. “Isso não seria possível, pois [o indicado] é que policiais façam a preservação do local.”

Segundo ele, ao invadir a cena, como fez César, seria possível apagar vestígios valiosos, como uma pegada com sangue ou resíduos, que poderiam indicar o autor do crime. Soares também chama atenção para o ritmo da investigação.

“Os investigadores deveriam entrevistar os hóspedes dos quartos e os funcionários do hotel”, afirma ele, que também destaca o fato de o delegado avisar que o viúvo que será chamado para prestar depoimento no dia seguinte.

“Ele pode ser suspeito ou testemunha, mas quanto mais cedo se colhem informações, maiores são as chances de elucidar o caso”, explica. O ideal é que o interrogatório acontecesse naquela mesma noite.

“O delegado não avisa que vai conversar no dia seguinte. A pessoa pode fugir, criar álibis ou adotar estratégias para atrapalhar a investigação”, diz.

Outro fator que também causa estranheza é que a polícia realizou apenas a verificação das digitais ao encontrar a suposta arma do crime. Para os especialistas, deveriam ter sido realizados outros exames também.

“É importante a coleta de digitais, mas é mais importante que seja realizada a microcomparação balística com os projetis que foram encontrados no apartamento, para saber se os disparos que mataram a Odete realmente saíram daquela arma”, diz o delegado da DHPP, que também cita a polícia deveria buscar imagens de toda a movimentação do hotel na hora do crime e não apenas do corredor do quarto da vilã.

Ele também comenta outra cena que chamou atenção dos telespectadores, em que os cinco suspeitos —Heleninha (Paolla Oliveira), Maria de Fátima (Bella Campos), Marco Aurélio (Alexandre Nero), César e Celina (Malu Galli)— sentam lado a lado e aguardam a vez para prestar depoimento.

A conduta não é usada na vida real. Para evitar que os suspeitos saibam da linha de investigação da polícia e troquem informações entre si, é indicado que os depoimentos sejam marcado em horários diferentes.

A cena foi criticada pelo Conselho Federal da OAB (Ordem de Advogados do Brasil), que, em nota, comentou que é ilegal que o investigador ou delegado chame cinco suspeitos para depor no mesmo dia, segundo o Código Penal e também alerta para a falta de advogados durante o interrogatório.

“Ninguém deve ser ouvido em investigação, interrogatório ou audiência sem a presença de um advogado”, disse o órgão. O delegado mineiro reforça que a presença do advogado não é obrigatória, mas ela pode acontecer e o suspeito tem o direito de permanecer em silêncio.

Já o delegado Roberto Miranda, da Polícia Civil de São Paulo, analisa que os suspeitos do crime da dramaturgia são, em sua maioria, pessoas de renda alta, que normalmente são acompanhadas de advogados.

Além disso, ele nota que o delegado da novela ouve mais do que faz questionamentos. “Ali, o suspeito tem uma narrativa fluída. Na realidade, eles são muito mais inquiridos do que falam”, diz Miranda.

O advogado criminalista Matheus Falivene, especialista em delação premiada, afirma que a polícia deveria buscar uma lista dos funcionários e hóspedes. Afinal, o assassino pode ter entrado não apenas pela porta, mas talvez tenha tido outro acesso, como a janela do quarto.

Além disso, a investigação deveria ter diferentes linhas de suspeita e, além de homicídio, considerar a possibilidade de feminicídio, uma vez que a bilionária era casada —também, não seria de bom-tom ignorar um possível latrocínio. “Por isso, é importante o isolamento da cena para que se saiba se sumiram ou não itens da vítima.”

Falivene diz ainda que casos assim são complexos e com julgamentos demorados. Por isso, é comum que os envolvidos já apresentem uma defesa desde o início. “Mesmo sendo inocente, é necessário trabalhar a inocência dele. Se não faz isso, pode ser acusado erroneamente.”

Outra hipótese relevante seria a coautoria: alguém pode ter executado o crime, mas outro pode tê-lo idealizado. Nessa situação, seria plausível, segundo Falivene, que o delegado solicitasse prisão temporária dos suspeitos para evitar que combinassem versões ou destruíssem provas.

No fim, entre erros processuais e liberdade da dramaturgia, o assassinato de Odete Roitman é alvo de teorias conspiratórias nas redes sociais e há quem aposte em cálculos sobre a trajetória da bala. Agora, resta saber quem, com lastro e intimidade, teve coragem de desferir uma agressão dessa monta contra a vilã.