SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Reuniões sobre a necessidade de mais reuniões, criação de apresentações com slides que ninguém lê, teleconferências para determinar tarefas que não precisam ser realizadas. E pessoas que não sabem explicar bem suas funções em grandes corporações.
Esse é o cenário non sense pintado em uma newsletter escrita na rede social Substack por Alex McCann, escritor britânico e pesquisador do futuro do trabalho que, aos 24 anos, se transformou em porta voz das insatisfações da geração Z com seus empregos.
No texto, que viralizou, ele decreta a morte do “emprego corporativo”. Em um dos trechos mais comentados, diz que é comum dentro de companhias a identificação de “não problemas” que geram inúmeras (e possivelmente inúteis) reações em cadeia.
“Analistas analisam, consultores consultam, gerentes de nível médio gerenciam a consulta. Workshops são realizados. Investidores se engajam”, afirma. “Meses depois, algo pode acontecer. Geralmente, é um pequeno ajuste que poderia ter sido feito em uma tarde por qualquer um com bom senso.”
Se essa não é uma questão nova que o diga a série “The Office”, que mostra funcionários desesperados pela falta de um mínimo de racionalidade no escritório, o nível de revolta com o problema, principalmente pela nova geração de trabalhadores, é.
Um sintoma disso é a reação ao artigo, que foi curtido por mais de 12 mil pessoas, compartilhado por mais de duas mil e que gerou mais de mil comentários, a maior parte de leitores agradecidos por se reconhecerem em cada palavra.
“As empresas criam esses rituais elaborados porque estão tentando medir algo imensurável: a contribuição significativa em um sistema que perdeu de vista a criação de valor real”, afirmou McCann à reportagem. “É teatro. Mas admitir isso pode significar que talvez seja preciso repensar toda a estrutura.”
O tom incendiário de McCann é encarado com reserva por especialistas, que apontam que determinadas rotinas são necessárias.
“O incômodo com a estrutura do trabalho corporativo é verdadeiro. Mas as organizações continuam funcionando. Existem pessoas profundamente engajadas e modelos que funcionam”, diz o professor e pesquisador em futuro do trabalho Alexandre Pellaes.
“Percebemos que existe uma ânsia por resultados mais imediatos de gerar valor e propósito nas atividades do dia a dia. Mas o que pode soar como uma atividade burocrática são controles de companhias grandes, que precisam ser realizados”, reforça Müller Gomes, recrutador da consultoria Robert Half.
Exagerada ou não, a indignação cada vez maior com o que é encarado como falta de propósito no trabalho não se limita ao Reino Unido de McCann.
No Brasil, ganha força o movimento de repúdio à rigidez representada pelos “empregos CLT”, que apesar da proteção social viraram sinônimo de falta de perspectiva em piadas feitas nas redes sociais.
Para além dos memes, o fato é que, em um momento de taxa de desemprego nas mínimas históricas, a rotatividade do trabalho está em patamar recorde, em especial entre os jovens.
A nova geração das classes sociais mais altas procura empregos que, além de salários e benefícios, façam sentido e tenham impacto a avaliação de especialistas é que, entre os jovens de baixa renda, há um pragmatismo maior.
“Há conglomerados que existem há 60, 70 anos, e que nunca pararam para refletir sobre suas estruturas. Eles estão tendo que repensar o fato de que seus funcionários estão confusos com a finalidade dos seus empregos”, diz Jean Michel Gallo Soldatelli, sócio fundador da Santo Caos, consultoria especializada em cultura organizacional.
Ele lembra que a Revolução Industrial trouxe a fragmentação do trabalho, e que isso só se acelerou nas últimas décadas. “Antes você era sapateiro, depois passou a fazer o cordão do sapato. E hoje existem empresas que possuem 20, 30 níveis hierárquicos”, diz Soldatelli.
A pandemia, que trouxe o home office, tem papel importante nesse desencanto, assim como as mudanças culturais trazidas pelo avanço das redes sociais, que permitem a troca de informações e de sonhos com apelo muito maior do que o dia a dia muitas vezes tediosos dos escritórios.
A inteligência artificial, que realiza em minutos tarefas burocráticas que levariam dias, é a cereja do bolo na confusão dos jovens com o objetivo dos seus empregos.
“Não é mais só receber salário, mas também se a empresa tem propósito, se faz sentido trabalhar nela”, afirma Lucas Toledo, diretor executivo da consultoria de recursos humanos Michael Page. “Vemos hoje várias gerações convivendo no mesmo ambiente de trabalho, e as empresas têm dificuldade em engajar, principalmente os mais jovens.”
No Brasil, a solução que vem sendo apresentada pelas empresas é a oferta de benefícios para reter atrair e reter funcionários, além de tentativas de estreitar a comunicação dos cargos de chefia com subordinados, promovendo engajamento.
Mas jovens como McCann veem um movimento que precisará de respostas muito mais profundas. Cada vez mais, diz ele, as pessoas vêm se dedicando a outras atividades, que realmente valorizam, enquanto trabalham em empregos “oficiais”.
“Eles já estão mudando as coisas. Escolhendo portfólios em vez de cargos, projetos em vez de permanência. As empresas ou se adaptam ou perdem acesso a toda uma geração.”
Uma solução, aponta ele, seria que as empresas se comprometessem com jornadas de trabalho mais enxutas e flexíveis, mesmo que isso signifique salários menores.
“O que eu vejo entre jovens trabalhadores é que estão dispostos a ganhar menos por mais autonomia. Eles concordariam com um corte de 20% no pagamento por uma redução de 40% na parte sem sentido dos seus empregos. Isso não é preguiça, é racionalidade.”
“Não dá para demonizar o emprego corporativo”, avalia Pellaes. “Ao mesmo tempo, é fato que as pessoas estão questionando, querem ser mais autênticas e sair da valorização da disciplina e obediência para chegar na autenticidade e criatividade.”