BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), ministro Vital do Rêgo Filho, diz à reportagem que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa busca o centro da meta fiscal, que prevê déficit zero nas contas públicas, ou mudá-la para o piso inferior da banda de tolerância previsto no arcabouço fiscal.
“Zero é zero”, afirma. Segundo ele, a corte de contas tem o dever de fazer alertas e o governo precisa se posicionar sobre decisão do TCU que considerou mirar o piso inferior da meta, em vez do centro, uma irregularidade que não condiz com as regras estipuladas na legislação.
“Uma das coisas que eu disse [ao governo]: se não vai perseguir a meta de zero, faz a meta em cima do piso. Transforma a meta no piso e deixa legal o processo. O problema é que o governo passou a executar a meta em cima do piso.”
O ministro prevê que após a eleição o próximo governo acabará tendo que rediscutir as regras orçamentárias. “O que a gente vai fazer na infraestrutura? Da forma como está, com o país com o Orçamento que está, é muito difícil de governar. Acho que essa questão vai ser discutida na campanha, mas ela ganhará corpo com o resultado das urnas.”
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PERGUNTA – O governo Lula reagiu após o TCU decidindo de forma contrária a perseguir o piso inferior da meta de resultado primário, em vez do centro. A ministra Gleisi Hoffmann [Relações Institucionais] disse que era uma decisão ilegal…
VITAL DO RÊGO FILHO – O TCU tem que dar o alerta. Nós acompanhamos o Orçamento o ano inteiro. Temos seis relatórios bimestrais e três relatórios quadrimestrais sobre as contas do governo. O que temos de legal hoje? O centro da meta. A interpretação que o TCU deu, dentro da legislação, foi a que o centro da meta tem que ser perseguido porque é [meta de déficit] zero. Zero é zero. As duas bandas, superior e inferior de 0,25% do PIB [margem de cumprimento da meta], dá mais ou menos R$ 30 bilhões [de déficit ou superávit] e devem ser tratadas de forma excepcional. Estou em contato com a equipe econômica e com o relator da matéria, o ministro Benjamin Zymler. Temos feito reuniões para tratar dos outros relatórios bimestrais [de avaliação de receita e despesas do Orçamento] que virão e como é que o TCU vai acompanhar isso.
P – O governo fez uma banda de tolerância no arcabouço fiscal para acomodar eventualidades e dar mais flexibilidade. Se ele não percebe o centro da meta, para que existe a banda?
VRF – Para quê? Era melhor botar a meta para o piso. Uma das coisas que eu disse [ao governo], se não vai perseguir a meta de zero, [porque] é zero, faz a meta em cima do piso. Transforma a meta no piso e deixa legal o processo. O problema é que o governo passou a executar a meta em cima do piso.
P – Qual o risco dessa estratégia?
VRF – É um problema que a gente tentará contornar. Até porque o governo tem que se posicionar sobre o alerta dado. Ele tem que responder. Nós esperamos o recurso do governo. Vamos sentar à mesa para fazer as avaliações necessárias.
P – O que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) sinalizou?
VRF – Que iria recorrer. Conversei com a ministra Gleisi, que disse que tem elementos para recorrer. Eu disse: traga os elementos que a gente vai fazer análise.
P – O governo ameaçou judicializar no STF
VRF – Não sei se o governo tem condições de judicializar. Mas acho que, antes de acontecer isso, tem que construir soluções para o país.
P – Qual saída o sr. vê para o impasse?
VRF – Não vejo agora, vejo depois do recurso feito. Eu não posso analisar em cima do de algo que eu não vi, que é o recurso do governo.
P – Pela decisão, o TCU manifestou fortes argumentos de convicção para a decisão sobre a necessidade de perseguir o centro da meta?
VRF – O TCU está convicto do entendimento. Tanto é que aprovou por unanimidade o alerta.
P – O governo articula com o Congresso para colocar na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) dispositivo permitindo perseguir o piso. Não fica a impressão que o governo está fugindo da regra que ele mesmo propôs?
VRF – Muitas vezes a gente tem que agir porque o TCU joga com as regras existentes. As regras existentes não foram feitas pelo TCU. O Tribunal fiscaliza o que está no arcabouço. É provocado pelo que está lá. Se o governo colocou como o centro da meta o déficit zero, é zero. É o que tá. O TCU faz é fiscalizar a lei já existente.
P – O TCU também vem se posicionado contra a criação de fundos privados pelo governo como veículo para gastos do governo que são orçamentários. Qual o seu diagnóstico sobre o problema?
VRF – O TCU já se posicionou que os fundos têm que estar dentro do Orçamento, do arcabouço. Agora, a análise dos fundos não deve ser feita de forma genérica. Pela própria natureza da criação dos fundos, ela tem que ser feita fundo a fundo. É outra análise que o TCU está enfrentando. É um perigo, porque fica o controle à margem da fiscalização, que é tão necessária.
P- Analistas avaliam que, em 2027, o próximo governo, seja quem for eleito, vai se deparar com a necessidade de uma nova discussão orçamentária e de revisão da regra fiscal. O sr. também avalia que isso vai acontecer?
VRF – Sinceramente, vejo.
P- Por quê?
VRV – Algumas posições só deverão ser tomadas em 2027, após o referendo das urnas. São posições de início de governo. Que Orçamento queremos para o Brasil? [Será decidido] somente depois de um processo eleitoral, onde as propostas de A e B serão analisadas democraticamente pelo povo brasileiro. O governo que vai entrar ou o governo que vai continuar terá força legislativa para, de acordo com sua posição política, colocar aquilo que ele posicionou. O que a gente vai fazer na infraestrutura? Da forma como o Orçamento está, é muito difícil de governar. Essa questão vai ser discutida na campanha, mas ela ganhará corpo como resultado das urnas.
P – Com a perda de validade da MP [medida provisória] 1.303, que elevava receitas para fechar as contas, acha melhor mudar a meta fiscal de 2026, de superávit de 0,25% do PIB?
VRF – Não me cabe formular políticas de governo, mas fiscalizar as que foram feitas.
P – O sr. falou que a infraestrutura é um problema. O que fazer?
VRF – No caso da infraestrutura brasileira, na parte de execução, temos aí um um debate muito grande de obras inacabadas. São mais de 11 mil obras inacabadas. Delas, 70% estão na área de saúde e educação. Temos o desafio de destravar a infraestrutura brasileira, provocando um aprimoramento do debate e do diálogo regulatório. Temos hoje a Secex Consenso [secretaria do TCU voltada à realização de procedimentos que visam a solução consensual e prevenção de conflitos, como de concessões].
P – Os críticos disseram que esse não era o papel do TCU.
VRF – O papel do TCU é construir saídas. Os resultados dela [secretaria] são tão impressionantes para o Brasil que essa discussão deixou de ter importância. Para você ter uma ideia, uma ação direta de constitucionalidade no STF contra a secretaria que está na mão do ministro presidente Edson Fachin recebeu 40 petições de amicus curiae [amigo da corte, um terceiro que intervém em um processo judicial para fornecer informações] porque as pessoas estão vendo que o litígio é sem fim. O setor de infraestrutura brasileiro aplaude e confia. Ela vai continuar com mais força ainda. Nós estamos agora ampliando ampliando o quadro de auditores dela e os recursos tecnológicos com inteligência artificial.
P – Um caso grande em discussão no TCU trata da licitação do Tecon 10, terminal de contêineres em Santos. VRF – A área técnica sugere deve ser realizado em fase única e com a participação das atuais empresas operadoras, na contramão da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Como vai caminhar?
É uma mega área no porto de Santos que vai dobrar a capacidade de armazenamento do porto de Santos e oferecer condições para ampliar as rotas do Brasil. Vai haver um crescimento na infraestrutura da área de portos substancial. A discussão é a licitação. O TCU está analisando. O Ministério dos Portos ficou de encaminhar uma posição do governo e da Casa Civil. Até o final do ano, tenho certeza que nós já teremos uma solução.
P – Os juros altos atrapalham os investimentos em infraestrutura?
VRF – Entendo perfeitamente qual é o papel do Banco Central, mas se você retirar a taxa Selic da inflação, você tem 8% de juro real. Isso ninguém aguenta.
P – Os especialistas afirmam que a razão para os juros altos é porque o problema das contas públicas não está resolvido…
VRF – Acho que tem exagero, sim. De vez em quando, noto que há uma artificialização de crise. O Brasil está vivendo um momento econômico muito bom para ter esses juros tão altos. Já há a possibilidade de as pessoas começarem a ver o país sem tanto pessimismo, como alguns querem, de forma artificializada, ver. Em nome da incerteza, você cria uma série de questões que impactam diretamente o economia.
P – O sr. vê com preocupação esse expansionismo das despesas?
VRF – Vejo com preocupação real e me posicionei. As renúncias fiscais são absolutamente ineficientes.
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Raio X | Vital do Rêgo Filho, 62
Formado em direito e medicina, foi vereador, deputado estadual, deputado federal e senador. Virou ministro do TCU em 2014.