SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Pode crer, tão cedo nenhum outro atleta conseguirá saltar como você”, disse Adhemar Ferreira da Silva, que recebeu João Carlos de Oliveira em São Paulo após a conquista da medalha de ouro do salto triplo nos Jogos Pan-Americanos de 1975, na Cidade do México, há 50 anos.

Adhemar tinha razão. Ele próprio havia estabelecido cinco vezes o recorde mundial da modalidade, de 1950 a 1955. Sua melhor marca foi de 16,56 m, na própria Cidade do México, onde João Carlos virou João do Pulo e obliterou os registros anteriores com incríveis 17,89 m.

A altitude do local, 2.240 m, com menor resistência do ar em relação a cidades mais baixas, certamente influenciou no desempenho. Mas João deixou claro ao longo da carreira que o resultado não era mero fruto do ar rarefeito. Em 1978, por exemplo, em Bratislava, conseguiu o que era a melhor marca ao nível do mar: 17,44 m.

Em qualquer altura, João era bom em buscar a distância, como haviam sido Adhemar e outros grandes nomes do atletismo brasileiro –Geraldo de Oliveira, Hélio Coutinho da Silva e Nelson Prudêncio–, de tradição no salto triplo. Assim, após a glória no Pan, com um recorde que só seria batido dez anos depois, o jovem de Pindamonhangaba se tornou uma grande esperança de medalha olímpica.

Em 1976, atrapalhado por uma lesão na coluna, buscou o bronze. Em 1980, em Moscou, também foi bronze, mas em um cenário diferente.

Boa parte da comunidade do atletismo tem certeza de que João obteve na disputa olímpica saltos superiores a 18 metros. No contexto da Guerra Fria, em uma edição dos Jogos Olímpicos realizada sob boicote dos Estados Unidos e para exaltação da União Soviética, o ouro e a prata ficaram com os soviéticos Jaak Uudmäe (17,35 m) e Viktor Saneyev (17,24 m). O brasileiro, com 17,22 m e apenas dois saltos validados, ficou em terceiro.

“O que atrapalhou o João foi ele ter sido roubado”, afirmou Pedro Henrique de Toledo, o Pedrão, em entrevista concedida à Folha de S.Paulo quatro décadas após a disputa, ainda ressentido. “Ele fez saltos, acredito, acima dos 18 metros. Com certeza, ele ganhou a prova. Mas eles davam ‘foul’ para ele. Foi um episódio muito triste.”

A carreira do craque acabou no ano seguinte, em um acidente de carro na rodovia Anhanguera, nos arredores de São Paulo. Em um longo processo de recuperação –durante o qual foi visitado por autoridades como o presidente da República, João Figueiredo, e o governador de São Paulo, Paulo Maluf–, teve a perna direita amputada, aos 26 anos.

Começou, então, uma nova fase na trajetória de João –que, além de ter batido o recorde mundial no Pan e conquistado duas medalhas olímpicas, foi tricampeão da Copa do Mundo de atletismo, predecessora do atual Mundial. Ele foi duas vezes eleito deputado estadual em São Paulo, com mandatos que se estenderam de 1987 a 1994.

O ex-atleta fracassou nas duas tentativas de eleição subsequentes, teve problemas com sócios e chegou a ser preso pelo atraso no pagamento da pensão alimentícia de uma filha. Então, recolheu-se em Guarulhos, cidade da Grande São Paulo que adotou, e se isolou.

A rotina nos anos finais de sua vida foi descrita em reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em maio de 1999, quando já estava hospitalizado, em coma, bem perto da morte: “Caminhar no fim da manhã para o bar mais próximo, tomar uma, duas, três cervejas, assistir aos telejornais esportivos do meio-dia, pedir uma, duas, três cervejas para viagem, passar o resto do dia trancado, só, quase sempre em jejum”.

João Carlos de Oliveira morreu em 29 de maio, “com broncopneumonia e hepatite C, causada por uma cirrose”. A reportagem da Folha de S.Paulo na ocasião apontou que, segundo vizinhos, amigos e familiares, ele passou seus últimos anos “em reclusão, arredio, com uma rotina autodestrutiva”.

Ana Maria, sua irmã, negou diversas vezes que a cirrose tenha sido causada pelo alcoolismo. Apontou que foi uma decorrência da hepatite C. De um jeito ou de outro, foi em um cotidiano de consumo alcoólico constante que João do Pulo morreu, aos 45 anos.

Francisco Jeová era dono do bar da rua em que João morava, em Guarulhos, e teve sua filha batizada com João como padrinho. De acordo com seu relato em 1999, o velho recordista bebia “só cerveja”.

A alegria, naquele momento, resumia-se ao futebol.

“Ele não chegou a beber demais”, disse Jeová, antes de apresentar uma exceção: “Só em dia de título do Corinthians”.