RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi desenhado para ter o formato de um barco, um peixe ou uma onda do mar, a depender do ângulo, no projeto assinado pelo arquiteto Affonso Reidy e o paisagista Roberto Burle Marx.

Vista dos aviões com origem ou destino no aeroporto Santos Dumont, a faixa de areia da praia do Flamengo representa a nadadeira do peixe. O rabo é a prainha da Glória, uma estreita enseada.

Inaugurado em 17 de outubro de 1965 com um evento para crianças, o maior parque urbano do país chega aos 60 anos movimentado por feiras e atividades esportivas, e com saúde em suas águas. Banhada pela baía de Guanabara, a praia do Flamengo foi considerada de boa qualidade em 2024, na classificação anual do Inea (Instituto Estadual do Ambiente). Foi a primeira vez neste século.

O Inea faz medições semanais nas praias, em que classifica se a praia está própria ou não para banho. Também há as classificações anuais, de péssima a ótima. A praia do Flamengo ficou com balneabilidade própria durante todo o inverno de 2025. A água teve baixa presença de coliformes termotolerantes.

“O que mais contribuiu para isso foi a escassez de chuvas para o período do inverno, algo característico no Rio”, afirma Gabriel Caetano, gerente de qualidade da água da Águas do Rio.

Mesmo a prainha da Glória, o rabo do peixe, onde até 2023 sequer havia medição, foi classificada como boa.

Um desvio na rede de esgoto da zona sul foi um dos responsáveis pela mudança na qualidade da água, segundo o Inea e a concessionária Águas do Rio, responsável desde 2021 pelo tratamento e fornecimento na região. O rio Carioca, que dava na praia do Flamengo, foi desviado para o interceptor oceânico, um túnel de 9 km que capta maior parte do esgoto da zona sul e o encaminha para o emissário submarino de Ipanema.

O rio Carioca permanece poluído. O interceptor passou por limpeza —a primeira em 52 anos, afirma a concessionária. Dali foram retiradas 3.000 toneladas de resíduos.

Esvaziado, o coletor ganhou espaço para receber mais esgoto e diminuiu o extravasamento em praias. Uma estação elevatória foi instalada no Flamengo. O equipamento envia para o interceptor 50 litros de esgoto por segundo que antes iriam para praias de Flamengo e Botafogo.

As mudanças constam no contrato de concessão de 2021.

A praia ainda possui coloração um tanto mais escura do que outras de mar aberto, como Copacabana, durante parte do ano. Não significa, contudo, que a água está imprópria ou suja, afirma Caetano.

“Ali tem ocorrido a autodepuração [organismos vivos consumindo matéria orgânica], e graças a isso temos esperança de melhora da baía. O Flamengo não tem movimento de marés, como praia de mar aberto, por isso é rico em matéria orgânica e tem coloração diferente. A tendência é que a coloração diminua, com fases de águas límpidas.”

O parque do Flamengo nasceu aterrando a baía de Guanabara, usando terra e entulho retirados de morros demolidos na cidade, especialmente o de Santo Antônio, no centro. A ideia do aterro, estimulada a partir de 1951, era conectar, através de autopistas, o aeroporto Santos Dumont, no centro, e Copacabana.

A arquiteta e paisagista Lota de Macedo Soares foi quem sugeriu ao governador Carlos Lacerda fazer, no entorno das pistas rápidas, um jardim urbano. Dos atuais 1.251.244 metros quadrados do aterro, menos de um terço é pista para carros.

Era época de preparativos para o quarto centenário da cidade, em 1965, e a Guanabara tentava manter-se como capital cultural após a ida da capital para Brasília, em 1960. A bossa nova floria o samba-jazz e a escola carioca ainda ditava bases da arquitetura moderna do país.

Lacerda tinha apartamento na praia do Flamengo, de onde era possível ver a construção dos jardins. O edifício do principal opositor de Getúlio Vargas ficava a 400 metros da antiga sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), invadida e incendiada no dia 1° de abril de 1964.

Na leitura de arquitetos, o aterro representou um espelho de Brasília dentro do Rio.

“É uma tentativa de o Rio não perder o lugar da grande cidade. Ele perde o caráter político, mas tenta se manter sob outros aspectos”, afirma a historiadora Márcia Chuva, do departamento de história da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).

“O Lacerda tem a questão política de pressão contra Vargas, envolvimento com o golpe de 1964, e seu governo [1960-1965] conclui a remoção de várias favelas. Mas, de certa forma, ele tem no aterro um projeto generoso de ser um espaço popular de acesso amplo. A Lota investiu muito no convencimento.”

Lacerda pediu ao Iphan o tombamento do parque antes mesmo da inauguração, sob a justificativa de protegê-lo da ganância imobiliária. A região teve fases de preços altos —uma delas é a atual, impulsionada por reformas em praças da Glória e a feira do bairro, que escapou dos limites da rua e se espalhou por outros pontos.

Em junho, o metro quadrado no bairro do Flamengo era vendido a R$ 11.076, em média, um aumento de 4,7% em relação ao mesmo mês de 2024, segundo dados do sindicato de condomínios do Rio. A praia tem grande movimento de moradores da Baixada Fluminense —é a praia mais próxima da Central do Brasil, terminal dos trens urbanos da cidade.

A construção de espaços privados na marina da Glória, em 2006, foi alvo de protestos de moradores do centro e zona portuária, também usuários dos equipamentos públicos locais.

O aterro tem quadras tênis e de futebol, pista de corrida e ciclismo, rampas de skate e espaço para aeromodelismo. Recebe semanalmente circuitos de corrida, e anualmente blocos de Carnaval. Já teve shows, comícios e missa para mais de 1,5 milhão de pessoas em 1997, na vinda do papa João Paulo 2° ao Brasil.

Ideia de Burle Marx, as árvores do parque foram plantadas com ritmo: a floração e cor mudam a depender do período do ano.

Os postes são espalhados como palmeiras e têm 45 metros de altura, o que gerou dificuldade, no início, para troca das lâmpadas. Na canção “Paisagem Útil”, em que menciona o aterro, Caetano Veloso os trata como “frio palmeiral de cimento”.

“O aterro representa à época uma cidade que está se redescobrindo, perdendo a capital e mantendo o moderno”, diz Márcia Chuva.