SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – João Carlos de Oliveira surpreendeu a si mesmo quando executou nos Jogos Pan-Americanos de 1975, na Cidade do México, um salto triplo de 17,89 m, recorde mundial que duraria uma década. Mais surpreso ainda o jovem de 21 anos ficou no dia seguinte, quando se tornou uma celebridade na Vila Pan-Americana.
“Já nem sei mais o que responder”, disse, em declaração publicada pela Folha em 17 de outubro, na reportagem “O herói João, primeiro dia de glória”. “Todos me cumprimentam, e não são só os brasileiros, não. Já teve americano que me chamou de João Maravilha, hein? Ainda não me recuperei disso.”
Tudo tomou proporções maiores na volta ao Brasil. Paparicado por autoridades de sua cidade, Pindamonhangaba, do estado de São Paulo e do Brasil -o presidente Ernesto Geisel já lhe enviara telegrama, parabenizando-o pelo “brilhante desempenho esportivo”-, foi recebido como herói nacional, como descreveu a reportagem “A chegada do João de Ouro”, de 27 de outubro.
O carioca O Globo, que destacava a presença de 3.000 fãs à espera do campeão no aeroporto de Congonhas, descreveu: “João começou a chorar, enquanto o público gritava um nome que ele ainda não conhecia: ‘Viva João do Pulo'”.
A bem da verdade, ele já conhecia. Ficou para a história que João Carlos virou João do Pulo no pulo -ou nos três pulos- de 17,89 m, mas o apelido surgiu antes do recorde, ao menos segundo o treinador do craque, Pedro Henrique de Toledo.
De acordo com Pedrão, como é conhecido o técnico, a primeira menção foi feita no caminho para o Estádio Olímpico da Cidade Universitária. João já tinha levado a medalha de ouro no salto em distância naquele Pan e foi para a disputa do salto triplo em um carro no qual estava também o atleta Benedito Rosa Preta, de Barretos, do salto em altura. Rosa Preta brincou, chamando-o repetidamente de João do Pulo.
“Foi antes do recorde, do pulo”, disse diversas vezes Pedrão.
De um jeito ou de outro, é inegável que João Carlos de Oliveira tenha se tornado o João do Pulo a partir de seu desempenho no México, há 50 anos. O salto triplo da medalha de ouro, em 15 de outubro de 1975, que completa meio século nesta quarta-feira (15), foi um choque para o próprio atleta.
“Sinceramente, não esperava chegar tão cedo ao recorde mundial”, disse, humildemente, antes de breve arroubo na outra direção. “Desculpem, mas estou certo de que, se houvesse me preparado mais para vir ao México, teria atingido 18 metros.”
Os 17,89 m foram suficientes para mantê-lo como dono do recorde por dez anos -o norte-americano Willie Banks alcançou 17,97 m em 1985. Na Cidade do México, João superou em incríveis 45 cm a maior marca anterior, do soviético Viktor Saneyev.
A execução foi tão inesperada que a organização do campeonato não estava preparada. O aparelho usado na aferição tinha alcance de 17,6 m. “Só quando eles desistiram do aparelho e usaram uma trena foi que fiquei tremendo, sem saber o que fazer. Depois, chorei de alegria”, disse João.
Houve, então, uma corrida da imprensa pelas origens do vencedor, um menino de 1,89 m estabanado no futebol que tentou a sorte no salto em altura e em provas de pista até encontrar seu caminho. Logo ficou claro que o jovem amava samba, Corinthians e mulheres.
Àquela altura, o garoto era cabo do 2º Batalhão de Guardas do Exército e procurava executar sua rotina de treinamentos no clube paulistano Pinheiros sem deixar de cumprir suas obrigações militares. Foi por causa dessa jornada dupla que ele entendeu que poderia ter feito uma preparação melhor para o Pan.
Chamava a atenção o fato de um homem negro ser destaque do aristocrático Pinheiros. Na edição em que celebrava “o herói João”, a Folha destacava também “a grande festa do Pinheiros para seu herói negro”, com os preparativos da agremiação do Jardim Europa para receber o campeão.
Questionado, ainda no México, sobre as dificuldades enfrentadas no clube, João disse que elas estavam no passado. “Eles não aceitavam negros, uma coisa lamentável. Eu fui o primeiro, existem vários atletas de cor, tudo mais acabou. Era uma questão de falta de esclarecimento deles.”
Era por outro clube, bem mais popular, que batia seu coração. “Tenho fé em Deus que em 1976 o Corinthians vai ser campeão”, afirmou, declarando-se fã do raçudo lateral direito Zé Maria -a festa alvinegra ficaria para 1977, após uma espera de 23 anos.
O amor era uma herança do pai, Paulo de Oliveira, conhecido como Paulo Aço, que, na hora do histórico salto triplo do filho, acompanhava um truncado Figueirense 0 x 0 Corinthians. “Estava assistindo ao jogo do meu Corinthians pela televisão. Estava nervoso com o jogo, quando ouvi a notícia. Tenho problemas cardíacos e tive que me controlar. Fiquei com medo de morrer. Tinha fé no crioulo, mas aquilo foi demais”, disse ao repórter Edgard Alves.
Foi mesmo demais, especialmente para alguém com pouco mais de três anos de experiência no atletismo. O que justifica a reação de João Carlos, transformado em João do Pulo há 50 anos.
“Vocês me desculpem, mas estou completamente perdido e tonto de emoção, de alegria. Sinto muitos arrepios no corpo.”