BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A cúpula preparatória para a COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), antecipou as principais divergências que acontecerão em Belém, mas também serviu para consolidar a percepção de que o boicote do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não desmantelou as negociações.
Segundo três diplomatas ouvidos pela Folha de S.Paulo sob anonimato na noite desta terça-feira (14), logo após o fim do encontro preliminar, as reuniões demonstraram que as principais divergências são o financiamento climático e a redução de combustíveis fósseis -como vem acontecendo nos últimos anos.
Este último tópico, inclusive, gerou discussão na pré-COP, quando diplomatas da Arábia Saudita reagiram energicamente à declarações (inclusive brasileiras) em defesa do “transitioning away” do uso de petróleo, gás e carvão.
Essa terminologia foi acordada na COP28, em 2023, e é traduzida como o compromisso de se afastar destas fontes de energia. Desde então, porém, as nações produtoras de fósseis conseguiram barrar que o tema voltasse à mesa.
Segundo relatos de pessoas presentes, os sauditas se irritaram quando o tema surgiu durante uma reunião sobre o balanço global da mudança climática e a transição energética, nesta terça. A reação causou mal-estar entre os negociadores.
Já no tema de financiamento climático, o debate voltou a ser a falta de comprometimento dos países ricos em atender à demanda das ações de economias menores por mais recursos, e há a possibilidade de que novamente este tema trave as negociações.
As discussões em Brasília tiveram como um de seus objetivos apresentar novos mecanismos para mobilização de dinheiro, mas segundo negociadores, ainda há muita resistência em avançar com inovações nesta área.
Nos próximos dias, a presidência da COP realizará mais duas rodadas de consultas às delegações. Uma sobre itens que estão dentro da negociação formal -cada edição da cúpula debate tópicos pré-definidos–, outra sobre pontos da chamada agenda de ação, que não estão no primeiro grupo.
Após o anúncio de que Trump sairia do Acordo de Paris, em janeiro deste ano, houve receio entre negociadores de que o movimento tivesse um efeito de manada, com outros o seguindo.
Na reunião preliminar de Bonn, na Alemanha, em julho, a primeira impressão, porém, foi de que a ausência do país tinha, paradoxalmente, servido para distensionar alguns pontos de negociação que tradicionalmente eram freados pelos EUA.
Cerca de dez meses após a saída do país do tratado, a pré-COP em Brasília, segundo os negociadores presentes, reforçou essa percepção.
Para o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, ressaltou que esse reforço do multilateralismo não pode ser apenas um discurso, mas precisa ser traduzido no avanço das políticas climáticas.
“Mas acredito que nós estamos cada vez mais mostrando que [o multilateralismo] é a melhor arma que existe contra o unilateralismo. Parece uma obviedade, mas estamos vivendo um momento em que as medidas unilaterais estão mais fortes que há muito tempo”, afirmou.
Diretora da COP30, Ana Toni afirmou que a principal respostas às medidas unilaterais é se a conferência chegar a acordos –mas que, ela admite, ainda há obstáculos até que isso seja possível em Belém.
“Nós estamos há 25 dias, agora, [da COP]. Só um país saiu do Acordo de Paris, o que mostra que todos os outros países continuam acreditando e participando ativamente do regime global climático”, afirmou.
Os negociadores ressaltam que a adaptação teve destaque inédito -a COP30 tem como parte de sua agenda formal definir indicadores para esta área, chamados de GAA.
No momento, já há praticamente um consenso de que devem ser considerados, sim, parâmetros de implementação, mas ainda há divergência se sobre a inclusão de outros índices, como financiamento.
Agora que as discussões foram colocadas na mesa durante a pré-COP, a presidência brasileira tem um termômetro de quais são as principais divergências e tem pouco menos de um mês até o início da COP30 para buscar soluções.
“Consenso, com certeza teve um que é muito grande entre nós: o consenso que é muito difícil estabelecer consenso entre 198 países”, brincou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Por regra, todos os acordos das COPs precisam ser fechados por unanimidade entre todos os seus quase 200 participantes, o que significa que qualquer nação presente pode, sozinha, barrar as negociações.
Uma das apostas da presidência brasileira é tentar driblar o mecanismo de consenso, defendendo a implementação do que já foi consensuado anteriormente, ao invés de tentar criar novos tratados.
O presidente André Corrêa do Lago afirma que, se até aqui neste ano o que se via era uma divisão entre dois opostos (países ricos e os de economias menores), a pré-COP permitiu identificar outros grupos menores de interesses em comum.
Sua aposta, diz, será mapear quem são estes países e incentivá-los a que criem coalizões ou alianças, por exemplo, para ampliar a produção de energia renovável, ou ampliar políticas de reflorestamento.
“A implementação não precisa de consenso, é um exercício muito mais de cooperação, de apoios […]. A gente [quer] construir grupos que começam com países chave e vamos vendo o quanto avança, mas sem necessidade de consenso”, afirmou ele.
A União Europeia, dizem negociadores sob reserva, teve uma postura retraída nesta pré-COP.
A avaliação é que o bloco sempre esteve acostumado a atuar cobrando para que os outros tivessem NDCs (metas nacionais de descarbonização) ambiciosas.
Com a saída dos EUA das negociações, porém, houve um recuo desta posição de liderança, e o bloco sequer apresentou o seu próprio documento com esses objetivos. Agora, passou de cobrador a cobrado, e de ter uma posição vocal, para um discurso modesto.
O principal entrave é que antes a União Europeia precisa, antes, aprovar a sua meta para atingir a 90% de neutralidade de carbono (há divergência se o prazo será 2040 ou 2050), decisão vai impactar diretamente na sua NDC.
Outro debate que a pré-COP antecipou foi sobre o que se chama de “just transition”, ou seja, como fazer com que os benefícios da energia renovável sejam para todos os países, e não só àqueles com mais dinheiro para comprar essa tecnologia.
Atualmente, os países debatem a criação, ou não, de uma instituição independente para acompanhar o avanço desta pauta e, se sim, quais parâmetros ela vai monitorar e qual vai ser sua estrutura.