BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu investigar suspeitas de irregularidades em contratos para o planejamento, organização e fornecimento de bens e serviços para a COP30, a conferência sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas) em Belém (PA).
Newsletter Planeta em Transe Uma newsletter com o que você precisa saber sobre mudanças climáticas *** A decisão, publicada pelo ministro Bruno Dantas, na última sexta-feira (10), também determina uma oitiva com a Secop (Secretaria Extraordinária para a COP30), vinculada à Casa Civil da Presidência da República, para esclarecimentos sobre o tema.
Dantas considerou a medida necessária, em sua decisão, para verificar se o modelo de contratação adotado violou os princípios da isonomia, da publicidade e da economicidade.
A análise mira uma licitação conduzida pela OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos), entidade internacional que firmou convênio de R$ 480 milhões com o governo Lula (PT) para mediar os contratos de preparação do evento.
Através da assessoria de imprensa, a organização da COP30 respondeu que os projetos de cooperação internacional estão de acordo com a legislação e são executados de acordo com a jurisprudência do TCU.
A licitação resultou na celebração de dois contratos, firmados em junho deste ano, para preparar dois espaços que vão abrigar a conferência: a zona azul, destinada aos eventos oficiais e negociações mais restritas da COP, e a verde, que deve receber eventos paralelos, exposições e manifestações da sociedade civil.
O primeiro espaço foi firmado com a empresa DMDL Ltda, por R$ 182,6 milhões e, o segundo, com o Consórcio Pronto RG, por R$ 67,3 milhões.
Procurada pela reportagem, a DMDL não respondeu até a publicação desse texto.
O Consórcio Pronto RG afirmou que participou de um processo licitatório “conduzido em estrita observância a todas as diretrizes legais aplicáveis” e que “não há qualquer justificativa técnica ou jurídica que sustente alegações de superfaturamento”.
Já a OEI afirmou que a licitação não se trata de uma contratação direta, mas de um acordo de cooperação internacional, previsto em decreto federal e respaldado por normas brasileiras e internacionais.
O TCU facultou à sociedade empresária Consórcio Pronto RG a oportunidade de se manifestar sobre os fatos tratados nos autos.
A decisão foi resposta a uma representação movida pela deputada Caroline de Toni (PL-SC), que também havia pedido a concessão de uma medida cautelar para impedir a venda casada de serviços e a revisão do modelo do edital para futuras contratações.
A unidade técnica do TCU optou por negar o pedido da parlamentar por considerar presente o perigo da “demora reverso”, dado o risco de prejuízos à organização do evento “de grande porte e relevância internacional”. Isso acontece quando uma medida de urgência solicitada para evitar um dano pode causar um dano igual ou maior.
Já o ministro Bruno Dantas afirmou que a apuração de eventuais condutas restritivas de mercado ou de abuso de poder econômico situa-se fora da competência do tribunal.
Ele justificou que essas atribuições são do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
“Nessa perspectiva, o objeto de apuração não é a existência de práticas anticoncorrenciais em sentido técnico, mas a eventual estruturação contratual inadequada que possa ter produzido efeitos econômicos adversos ao interesse público, seja por ter comprometido a competitividade do certame, ou ter permitido ganhos privados desproporcionais à natureza e ao risco da atividade contratada”, disse.
O ministro se baseou numa conclusão da unidade técnica de que a regulamentação sobre a comercialização de espaços do edital tinha significativas lacunas e a postergação de definições essenciais para momento posterior à contratação.
De acordo com a análise, o texto não ofereceria aos licitantes, por exemplo, informações suficientes para formulação de propostas adequadas, “configurando violação aos princípios da transparência, publicidade e isonomia que devem nortear os processos licitatórios”.
A unidade também citou no parecer, revelado pela CNN na semana passada, que a análise dos valores praticados pela empresa Pronto RG apontada pela representante, se confirmada, “revela padrão sistemático de superfaturamento que caracteriza abuso da posição dominante decorrente da exclusividade concedida pelo certame”.
A representação enviada ao TCU argumentou que uma cadeira da marca Charles Eames, que possui valor de mercado de R$ 150, seria comercializada pela contratada por R$ 1,6 mil, “representando sobrepreço de 1000%”.
Outro item levado pela representante foi uma impressora multifuncional com valor de mercado de R$ 400 oferecida por R$ 3 mil, “configurando majoração de 650%”, e um frigobar de 120 litros, “disponível no mercado por R$ 500, é comercializado pela empresa por R$ 1,4 mil, evidenciando sobrepreço de 180%”.
“O modelo de precificação adotado no certame, que permitiu descontos lineares de 50% na fase licitatória, seguidos de sobrepreços na comercialização posterior, configura estratégia de subsidiação cruzada que distorce fundamentalmente a competitividade do processo”, escreveu a unidade técnica.
A decisão de Dantas, no entanto, não tocou em pedidos para apurações que envolveriam o sobrepreço e superfaturamento nos contratos.
Através da assessoria de imprensa, a organização da COP30 diz que os projetos estão de acordo com a legislação.
“Cabe destacar que as contratações pela OEI, no âmbito dos projetos de cooperação celebrados, como regra, são realizadas a partir de processos licitatórios, cujo andamento pode ser acompanhado por meio de acesso ao sítio eletrônico do organismo internacional”, disse.
Ó órgão também disse que todos os questionamentos realizados pelo TCU foram devidamente respondidos.
A advogada Marcela Carvalho Bocayuva, que representa o Consórcio Pronto RG, afirmou que “os preços praticados estão abaixo dos valores de mercado, considerando inclusive as condições extraordinárias envolvidas na preparação da COP30”, afirmou
A defesa do consórcio acrescentou que o procedimento do TCU “encontra-se em fase meramente preliminar, tal como ocorre em inúmeros outros processos de controle externo”. “Trata-se de um procedimento de rotina, que não representa qualquer juízo de irregularidade, e que, ao final, certamente assentará a plena legalidade da contratação”, declarou.
Já a OEI afirmou que a licitação não se trata de uma contratação direta, mas de um acordo de cooperação.
“As contratações realizadas pela OEI no âmbito desses projetos seguem critérios técnicos, transparentes e auditáveis, em conformidade com o acordo básico firmado entre a OEI e o Governo do Brasil, além de normas internas reconhecidas internacionalmente”.
Também disse que “reafirma seu compromisso histórico com a cooperação técnica internacional, a boa gestão dos recursos públicos e o fortalecimento institucional do Brasil na realização de eventos de relevância global, como a COP30, que deixará um legado de infraestrutura, sustentabilidade e cooperação internacional para Belém, para a Amazônia e para o país”.