SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Nas vésperas da COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), médicos que atuam na rede municipal de Belém estão com salários atrasados por até quatro meses e receiam tomar um calote de organizações sociais que prestavam serviços para a prefeitura.
Os profissionais atuavam nas unidades de saúde dos bairros Jurunas, Terra Firme, Marambaia e distrito de Icoaraci. As unidades eram geridas pela IN Saúde (Instituto Nacional em Pesquisa e Gestão de Saúde), IADVH (Instituto de Apoio ao Desenvolvimento da Vida Humana) e Group Med.
A Prefeitura de Belém, comandada por Igor Normando (MDB), informou que os contratos com as três organizações sociais foram encerrados em 22 de setembro e que as entidades foram pagas por todos os serviços prestados.
A IN Saúde e IADVH foram procuradas nesta segunda-feira (13), mas não se manifestaram. A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com o Group Med.
Os atrasos nos salários mobilizaram os médicos de Belém, que protestaram na semana passada na sede da Secretaria Municipal de Saúde. Também acirrou o debate sobre quarteirização, modelo no qual as organizações sociais contratam outras empresas, que então contratam os médicos.
As manifestações também acontecem em um momento em que o Ministério Público Federal acendeu o alerta para a possibilidade de um colapso na rede de saúde de Belém durante a COP30, quando é estimada chegada de cerca de 50 mil visitantes.
O Sindicato dos Médicos do Pará estima que ao menos 300 profissionais atuem neste modelo na rede municipal de saúde de Belém e sofram consequências como calotes e atrasos de salários. Os passivos vão além das duas empresas que geriam as UPAs de Jurunas e Marambaia.
“O grande problema é a quarteirização. As organizações sociais se escondem por trás dessa pessoa jurídica especial para fazer uma atividade econômica rentável. Fazem dinheiro com isso, se aproveitando dos benefícios da lei. Isso é ilegal”, diz Wilson Cardoso, conselheiro do Sindicato dos Médicos do Pará.
Em parte dos casos, afirma, os médicos sequer são contratados pela empresa, sendo orientados a adquirir cotas minoritárias da firma. Desta forma, recebem um valor inferior ao que ganhariam por plantão se fossem contratados diretamente.
Uma médica que atua na rede municipal de Belém, que preferiu não se identificar por temer represálias, afirma que os salários sempre são pagos com ao menos dois meses de atraso. E destaca que os calotes são recorrentes quando os contratos das organizações com a prefeitura são encerrados.
Ela também critica a gestão das unidades de saúde pelas organizações sociais e afirma que os médicos são orientados a evitar pedidos de exames e de medicações endovenosas para os pacientes para reduzir gastos.
Em nota, a prefeitura de Belém informou que todos os pagamentos referentes aos serviços prestados pelas organizações sociais foram quitados. Após 22 de setembro, as unidades passaram a ser geridas por outra organização social, que manteve parte dos profissionais.
“Eventuais pendências financeiras entre o IN Saúde, Group Med e o IADVH e os profissionais médicos não têm relação com a Prefeitura de Belém, uma vez que o município cumpriu integralmente suas obrigações contratuais”, informou.
A prefeitura ainda orientou os profissionais que não receberam os salários a buscar a Justiça para cobrar as organizações, responsáveis diretas pelos vínculos e pagamentos.
“A Prefeitura de Belém reforça seu compromisso absoluto com a transparência, a legalidade e, acima de tudo, com a valorização dos profissionais e a continuidade dos serviços de saúde pública, assegurando à população atendimento digno e permanente em todas as unidades municipais”, disse, em nota.
No início de outubro, o MPF protocolou uma recomendação na qual pede medidas emergenciais para a rede de saúde de Belém, que não estaria preparada para atender a demanda extra da COP30.
Os procuradores alertam para a precariedade da urgência e emergência, falam em risco de colapso e citam relatórios que apontam deficiências como equipamentos quebrados, falta de medicamentos essenciais e escassez até de insumos básicos como gaze, algodão e luvas descartáveis.
A fiscalização também apontou um cenário de enfermarias lotadas, pacientes internados no corredor das unidades de saúde e falta de realização de cirurgias ortopédicas há mais de um ano.
O MPF também cita como um dos pontos críticos a possibilidade de tratamento de saúde diferenciado para os participantes da COP30, citando a existência de uma “regulação específica para COP”.
Na avaliação dos procuradores, a adoção desta medida é inconstitucional por segregar o acesso à saúde, estabelecendo uma fila de espera para os participantes da conferência e outra, separada, para o restante da população paraense.
A recomendação destaca que nenhum recurso dos R$ 4,7 bilhões do orçamento da COP30 foi destinado à saúde pública, fazendo com que a conferência não deixe legados como a construção de um hospital de urgência ou de novas UPAs.