PARIS, FOLHA (FOLHAPRESS) – Reconduzido na semana passada ao cargo de primeiro-ministro da França, depois de ter renunciado com apenas um mês no cargo, Sébastien Lecornu propôs nesta terça (14) uma suspensão da reforma das aposentadorias até a próxima eleição presidencial, prevista para 2027, em seu primeiro discurso diante da Assembleia Nacional. O anúncio é uma forma de garantir que seu governo não será vítima de uma moção de censura da oposição.
“Eis incontestavelmente uma ruptura”, discursou aos deputados.
Para demonstrar sua disposição ao diálogo com os deputados, o premiê prometeu não recorrer a um controverso dispositivo que lhe permitiria aprovar o orçamento de 2026 sem votação parlamentar, o artigo 49, alínea 3 da Constituição.
Ele também se comprometeu a propor a criação de uma “contribuição excepcional” sobre grandes fortunas outra forma de contentar a oposição de esquerda.
Lecornu se recusa, porém, a adotar a “taxa Zucman”, um imposto de 2% sobre os patrimônios acima de 100 milhões (cerca de R$ 640 milhões). O economista que propôs a taxa, Gabriel Zucman, acusou o premiê de poupar os bilionários em seu plano.
Lecornu é o quarto primeiro-ministro em um ano, sintoma da instabilidade da política francesa desde as eleições legislativas de 2024, que não produziram uma maioria clara.
A questão central para a sobrevivência do segundo gabinete montado por Lecornu é o número de votos necessário para derrubá-lo. Para aprovar uma moção de censura, são necessários 288 dos 575 deputados com mandato em vigor.
Já anunciaram que vão votar contra Lecornu a ala mais à esquerda do parlamento (“insubmissos”, comunistas, ecologistas) e a ala mais à direita (a Reunião Nacional de Marine Le Pen). Isso representa cerca de 210 deputados.
O fiel da balança, portanto, são a esquerda moderada (o Partido Socialista) e o que resta da direita gaullista tradicional (Republicanos), cada vez mais próxima da ultradireita.
O gabinete tem seis ministros dos Republicanos. Por isso, o partido ainda hesita em censurar Lecornu. Os socialistas, por sua vez, mesmo sem participação no governo, afirmam aguardar o anúncio das primeiras medidas antes de tomar uma decisão. Reivindicam, sobretudo, a suspensão da reforma das aposentadorias promulgada em 2023.
Essa reforma prevê o aumento progressivo da idade mínima para se aposentar, de 62 para 64 anos. Parte da oposição de esquerda, e até economistas como Philippe Aghion, agraciado na segunda-feira com o Prêmio Nobel, propunham que a reforma seja “congelada” no patamar atual 62 anos e 9 meses até a eleição presidencial de abril de 2027.
Esse debate evidencia o que realmente está por trás do cálculo de todos os políticos a corrida para suceder Emmanuel Macron. O atual presidente não pode concorrer, por já estar no segundo quinquênio.
A impopularidade de Macron uma pesquisa recente lhe atribuiu apenas 19% de opiniões favoráveis faz dele um péssimo cabo eleitoral, o que o fez ser abandonado até por antigos aliados fiéis, como o ex-primeiro-ministro Édouard Philippe.