SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Atlas Renewable Energy, uma das maiores empresas de energia solar do Brasil, aposta nas baterias acopladas a parques solares e eólicos como solução para os cada vez mais frequentes cortes de energia pelo ONS (Operador Nacional do Sistema). A empresa cobra do governo federal uma regulamentação rápida do dispositivo que, na visão de seus executivos, pode ajudar também a evitar a queima de combustível fóssil para atender data centers.
O tema caminha hoje a passos lentos na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que já precisou adiar a entrega da regulamentação em agosto em meio a impasses sobre como as empresas que operam baterias serão remuneradas. Em contrapartida, outros países, como o Chile, tem visto os investimentos no setor aumentar, com regulamentações já feitas e sistemas de armazenamento mais baratos vindos da China.
A Atlas anunciou no final de setembro que agora será responsável por 70% da Aliança Energia, companhia até então controlada pela Vale e com um portfólio grande de hidrelétricas e energia solar e eólica. A aquisição custou US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bilhões) para a controladora da empresa, a GIP.
O investimento, o primeiro da empresa em hidrelétricas, acontece ao mesmo tempo em que empresas do setor estão sendo afetadas pelo curtailment, como são chamados os cortes do ONS derivados da falta de infraestrutura para escoar eletricidade ou pela geração de energia superior à demandada pelos consumidores.
À reportagem o CEO global da Atlas, Carlos Barrera, disse que os cortes afetam até 25% da geração de seus parques. “Isso precisa ser consertado rapidamente, porque agora um gerador não sabe qual será a quantidade de cortes e, portanto, qual será o impacto financeiro. Com isso, ao fazer um investimento, você vai ser conservador, o que se traduz em um preço muito alto para a energia.”
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PERGUNTA – A entrada da Atlas na Aliança Energia foi motivada pelos cortes de energia solar e eólica?
CARLOS BARRERA – Teríamos comprado hidrelétricas de qualquer forma; buscamos complementar nossas fontes de energia da melhor maneira possível para oferecer soluções interessantes a terceiros. O curtailment é definitivamente um grande fator, mas acho que independentemente dele as hidrelétricas são um investimento que faz sentido.
P – O curtailment também tem afetado a Atlas?
CB – A Atlas está muito bem capitalizada, então não estamos em uma situação onde há risco para a empresa. Mas estamos olhando para toda a América Latina, para ver onde fazer nossos investimentos futuros e, com essa questão no Brasil sem qualquer solução clara, o curtailment é muito problemático.
Isso precisa ser consertado rapidamente, porque agora um gerador não sabe qual será a quantidade de cortes e, portanto, qual será o impacto financeiro deles. Com isso, ao fazer um investimento, você vai ser conservador, o que se traduz em um preço muito alto para a energia.
P – Tanto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, quanto o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, dizem que as empresas assumiram riscos ao expandir seus negócios e que, por isso, não devem ser ressarcidas. O mercado calculou errado esses riscos?
CB – Não. Quando fizemos investimentos, havia uma narrativa do governo para garantir que a transmissão também aconteceria de acordo com os investimentos sendo feitos no lado da geração. Se os investimentos são feitos sob um conjunto de condições e depois essas condições não são mantidas, não acho justo culpar os geradores. Mas o ponto principal é que não importa o passado, temos que focar em como resolvemos a situação para o Brasil. As baterias, por exemplo, podem desempenhar um grande papel na melhoria da situação.
P – As baterias estão cada vez mais baratas e já fazem parte da rede elétrica de vários países. Por que é tão difícil implementá-las no Brasil?
CB – Todos os países na América Latina estão tentando trazer investimentos em baterias; o Chile, por exemplo, estabeleceu um marco regulatório que diz como as baterias são tratadas no sistema. Mas no Brasil o regulador ainda não tem um marco sobre isso. Se você quiser colocar uma bateria na rede, não é possível. Precisamos acelerar isso e precisamos garantir que a regulamentação seja feita de forma a viabilizar investimentos rapidamente. No Chile, a regulamentação foi formalmente estabelecida há 24 meses e, agora, há cerca de 10 gigawatts de baterias que devem ser instaladas até 2030. O Chile tem um mercado muito menor que o do Brasil, então, se você estabelecer o marco regulatório adequado e deixar o mercado funcionar, as baterias serão uma parte enorme da solução para o curtailment.
A segunda coisa é que taxar baterias vindas da China ou de onde quer que venham se traduz em um custo muito mais alto de energia. Uma das coisas que também estamos tentando trabalhar com o governo é na remoção das tarifas para que as baterias entrem no país de uma forma muito mais barata.
P – Outra forma de acabar com os cortes é aumentar a demanda, mas os data centers principal solução apresentada pelo mercado exigem energia por 24 horas. Ou seja, eles não vão acabar provocando o aumento da geração de energia suja, o que iria na contramão da descarbonização?
CB – Parte da solução para os data centers será gerar mais energia solar e mais energia eólica com baterias. Sempre defendemos que isso deve ser feito da maneira mais limpa possível; nosso foco é energia limpa, e acreditamos que a demanda que estamos falando para data centers pode ser suprida por essas combinações: solar, eólica e baterias.
Atualmente, temos dois tipos de curtailment: um relacionado à transmissão, que tem sido historicamente a maioria, e um relacionado ao excesso de oferta. Esse último seria resolvido por baterias e pelo aumento de carga. Então, se tivermos um planejamento adequado, se pudermos nos unir como indústria e encontrar soluções com planejamento, com transmissão, com baterias e com carga adicional, isso resolve o problema do curtailment e permite que os data centers, aliás, atraiam seus investimentos para o Brasil.
P – Você vê o governo tentando unir essas discussões?
CB – Acho que há partes do governo que veem o quadro completo e há partes que não. E acho que nosso trabalho é tentar fazer com que as pessoas comecem a ver isso em conjunto.
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RAIO-X | CARLOS BARRERA, 43
Engenheiro mecânico pela Universidade de Lehigh, é CEO global da Altas Renewable Energy desde 2017, quando também foi um dos fundadores da empresa. Antes, foi vice-presidente na SunEdison e gerente na BP.