SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O exame do pezinho é essencial para a saúde de recém-nascidos, porque identifica doenças nos primeiros dias de vida. Desde 2021, o teste foi ampliado, rastreando mais de 50 condições.
Em julho 2023, um projeto-piloto passou a realizar ainda mais uma triagem dentro desse exame em bebês no estado de São Paulo: a detecção da AME 5q (Atrofia Muscular Espinhal tipo 5q). No entanto, ainda não está definido se o programa continuará.
A iniciativa, conduzida pelo IJC (Instituto Jô Clemente) em parceria com as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde de São Paulo, já atingiu mais de 188 mil recém-nascidos. A meta era alcançar 192 mil bebês até o dia 20 de outubro, quando o projeto está previsto para se encerrar e há incerteza sobre sua continuidade.
A médica Vanessa Romanelli, pesquisadora responsável pelo projeto e supervisora do Laboratório de Biologia Molecular do IJC , que também é portadora de AME, explica que a doença está entre as principais causas genéticas de morte infantil no Brasil, com uma incidência estimada de um a cada 12 mil nascidos vivos.
A AME é causada por uma alteração no gene SMN1, herdada de pai e mãe portadores. O “5q” refere-se à localização genética da doença no cromossomo 5.
Procurada, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirma que “mantém parceria com o Instituto Jô Clemente, administrado pelo Município de São Paulo, que desenvolveu um projeto de pesquisa voltado à triagem neonatal para Atrofia Muscular Espinhal (AME). Após os resultados obtidos com o estudo, a SES e o Instituto avaliam estratégias para viabilizar a incorporação do exame à rede pública de saúde”.
A Secretaria Municipal da Saúde confirmou que tem um contrato de 60 meses com a associação, mas não respondeu sobre a continuidade do projeto.
A Atrofia Muscular Espinhal é uma doença genética, rara e grave, que compromete os neurônios motores responsáveis pelos movimentos voluntários como respirar, engolir e sustentar a cabeça. O SUS oferece três terapias que podem impedir a progressão dos sintomas, mas é fundamental que o diagnóstico seja feito o quanto antes.
A médica geneticista reforça que o projeto foi concebido para gerar dados robustos sobre a viabilidade da triagem para AME no sistema público. “O objetivo é que, com esses resultados, os gestores de saúde possam garantir a continuidade da triagem neonatal no SUS sem interrupção”, afirma.
A especialista explica que “o diagnóstico das crianças ocorre, em média, até o 12º dia de vida, e o início do tratamento antes do primeiro mês. Todos os 14 bebês identificados com Ame no piloto foram encaminhados a centros de referência e iniciaram tratamento rapidamente”.
Entre eles está Melissa, filha de Ana Paula Silva, 36 anos, moradora de São Paulo. Prematura, Melissa nasceu de uma gestação gemelar e recebeu o diagnóstico da doença ainda na maternidade, por meio do teste do pezinho ampliado.
“Para mim foi um choque, porque ela era tão pequena, estava na UTI, e eu não sabia o que era essa doença. Mas o diagnóstico veio cedo, o tratamento começou rápido e hoje ela está ótima: anda, fala, come sozinha, vai para a escolinha. É uma vitória”, conta Ana Paula, que também é mãe de outros cinco filhos.
Ana Paula conta que sua filha foi o segundo bebê diagnosticado pelo projeto e isso fez com que ela mudasse sua visão e entendimento do teste do pezinho. “Eu achava que era um exame normal, não sabia que existia a versão ampliada. Depois da Melissa, entendi a importância e quero que todas as famílias saibam disso. Descobrir cedo faz toda a diferença”, diz.
A condição leva à perda de uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, o que provoca fraqueza muscular progressiva. “Quando o diagnóstico é precoce, antes do aparecimento dos sintomas, e o tratamento começa logo nas primeiras semanas de vida, a criança tem grandes chances de se desenvolver sem nenhuma sequela”, explica a especialista.
Com a nova regulamentação oficial do governo (Portaria nº 7.293/2025, que regulamenta a Lei Federal 14.154), responsável por ampliar o teste do pezinho de seis para cerca de cinquenta doenças, a expectativa é que a triagem para Ame seja incorporada de forma definitiva à rede pública.
Ela reforça que a triagem neonatal vai além do diagnóstico: “É uma rede completa, que inclui o acompanhamento e o tratamento dentro do SUS. O projeto mostrou que essa estrutura funciona bem e salva vidas”.