SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos mais sensíveis itens de barganha de Xi Jinping na guerra comercial proposta por Donald Trump, o veto anunciado da China ao fornecimento de terras raras com aplicação militar ameaça quase 80% dos armamentos produzidos pelos Estados Unidos.

Enquanto a restrição anunciada na quinta-feira passada (9) é limitada no caso do emprego dos minerais para a fabricação de chips avançados, ela é total quando o assunto é a indústria de defesa. Se nada mudar, passa a valer em dezembro.

Isso dá uma dimensão geopolítica à fatura econômica que Pequim está disposta a apresentar a Washington pela agressividade mercurial de seu presidente, cujo vaivém na negociação com os chineses atordoa os mercados.

Segundo um estudo referencial dos chamados minerais críticos, grupo no qual se inserem os 17 elementos metálicos conhecidos como terras raras pela dificuldade de extração e refino, a startup de softwares militares americana Govini escrutinou o cenário do seu setor em 2024.

Nada menos que 77,7% dos sistemas de armas americanos dependem dos produtos chineses, ímãs fabricados a partir de terras raras. O veto abrange 12 delas. São 80.006 componentes em 1.908 sistemas. O ramo das Forças Armadas mais afetado é a Marinha, com 91,6% de seus armamentos dependentes de Pequim.

Outro trabalho, feito neste ano pelo “think-tank” americano CSIS (Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos, na sigla inglesa), mostra que um esteio da frota naval americana, os destróieres da classe Arleigh Burke, carregam cada um 2.600 kg de terras raras chinesas.

Um submarino nuclear de ataque da classe Virginia precisa de quase o dobro, 4.600 kg. Proporcionalmente, considerando que os navios deslocam 8.300 t e o submarino, 7.800 t, parece até pouco, mas a raridade que dá nome à ditas terras é real.

Já num caça avançado de quinta geração F-35, produzido pela Lockheed Martin, 3% das 13,3 t do modelo operado pela Força Aérea, o A, são dos materiais. Assim como nas embarcações, motores, sistemas de radar e lasers precisam dos ímãs para funcionam —assim como mísseis de diversos tipos.

A China, dona de 49% das reservas globais desses 17 elementos em 2024, domina 70% de sua mineração, 90% de seu refino e 93% da produção dos ímãs tão desejados não só pelos militares, mas por fabricantes de celulares, TVs, carros e outros aparelhos com tecnologia de ponta.

A vantagem se dá também num ritmo de produção para seus próprios armamentos que o CSIS estima ser seis vezes mais rápido do que o da indústria americana de defesa, hoje a maior do mundo. No top 10 de empresas globais do setor, as 5 primeiras são dos EUA, seguidas por 1 britânica, 1 russa e 3 chinesas.

O cenário soa chocante quando se tem em vista que a China é a potência ascendente a desafiar aquela estabelecida, os EUA, neste século 21. Ambos os países se preparam para um conflito eventual, a despeito de sua interdependência econômica.

A chamada Guerra Fria 2.0, lançada por Trump em seu primeiro mandato, diz respeito a tentar equalizar o jogo —algo que é bem mais difícil do que a retórica do republicano sugere.

Trump começou a se mover, mas há empecilhos grandes no campo das terras raras. Os EUA só têm 2% das reservas globais, segundo o Serviço Geológico do país, e têm feito investimentos na produção australiana, país com 6% dos estoques.

Em julho, o então Departamento de Defesa [hoje da Guerra] americano anunciou um plano para colocar US$ 400 milhões na única grande produtora do país dos ímãs estratégicos, a MP Materials. Com o dinheiro veio uma mãozinha extra do governo, fixando preço mínimo dos produtos por dez anos.

Por ora, é insuficiente. A MP anunciou uma produção recorde de 1.300 toneladas de óxido composto de duas terras raras, neodímio e praseodímio em 2024, ano em que os chineses entregaram 300 mil toneladas do produto.

O Brasil está teoricamente bem colocado nesse jogo. O país tem a segunda maior reserva mundial, com 23% dos 17 elementos, mas menos de 1% da produção global —a exploração vem crescendo em Minas Gerais, mas de forma ainda incipiente.