BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O financiamento climático foi o principal assunto na inauguração da cúpula preliminar à COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), e já há o receio de que este seja primeiro entrave do evento principal, repetindo o que aconteceu em todas as últimas edições.

Segundo cinco pessoas que acompanharam a reunião entre ministros de Estado nesta segunda-feira (13) em Brasília, ouvidas pela Folha sob reserva, os discursos repetiram a dinâmica na qual países de economias menores demandam mais recursos -e não são atendidos pelos ricos.

Além disso, houve um destaque inédito para o tema da adaptação, confirmando o que se projetou durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

“[Houve] pedidos múltiplos [de dinheiro para adaptação]; promessas, mais limitadas”, disse o presidente da COP30, André Corrêa do Lago.

Um grupo de 41 organizações da sociedade civil entregou a ele uma carta pedindo que o financiamento para adaptação seja triplicado -essa área, segundo a ONU, tem a maior lacuna de recursos climáticos, na casa de mais de R$ 2 trilhões.

Também surge como possível entrave a redução de combustíveis fósseis.

A pré-COP, que acontece em Brasília nesta segunda e nesta terça (14), serve como termômetro para as negociações de fato, marcadas para novembro, em Belém.

Quem acompanha os debates acha positivo que os entraves surjam agora, o que dá um mês para a presidência brasileira evitar que eles se concretizem.

Um dos pontos de atenção foi a postura dos maiores poluentes do mundo: Estados Unidos, China, União Europeia e Índia. O primeiro país manteve o boicote imposto pelo presidente Donald Trump às negociações climáticas e não enviou representantes.

A China, de acordo com negociadores e observadores das conversas, repetiu seu discurso em defesa do multilateralismo e, sem citar o tarifaço imposto por Trump, criticou medidas unilaterais.

Já a Índia teve uma fala classificada como positiva por incentivar a implementação dos acordos já feitos. Duas pessoas ouvidas pela reportagem, porém, apontam que este discurso pode indicar uma oposição a que sejam incluídos novos tópicos de negociação.

Cada edição da COP negocia textos relativos a artigos do Acordo de Paris pré-determinados, e a inclusão de novos itens na agenda é justamente uma das principais formas de travar as tratativas já em seu início -e, ao mesmo tempo, de buscar metas mais ambiciosas.

Na metade do ano, a reunião preparatória de Bonn (Alemanha), por exemplo, travou já de largada, quando os países em desenvolvimento demandaram a inclusão na agenda justamente do tópico 9.1, que trata do financiamento climático.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, a presidência brasileira trabalha desde o ano passado para construir um consenso entre países ricos e as economias menores e driblar esse impasse.

“O que a gente quer, antes de mais nada, é assegurar uma COP na qual a gente possa avançar nas negociações, evitar bloqueios de um lado ou do outro, provocados pelo desejo de colocar na agenda coisas que não estão na agenda. A primeira coisa é assegurar a boa vontade de todos”, disse Corrêa do Lago, sem citar este artigo especificamente.

Segundo relatos de quem acompanhou a primeira rodada de reuniões, o grupo conhecido como G77, que reúne a maior parte dos países de economia crescente, foi praticamente uníssono em citar a necessidade de mais recursos climáticos.

Muitos mencionaram o chamado “roadmap”, documento que Brasil e Azerbaijão elaboram e que deve dizer o que o mundo precisa fazer para mobilizar US$ 1,3 trilhão com esta finalidade.

Houve uma reunião nesta segunda para debater este tema, mas que aconteceu já durante a noite, ao final de todos os debates. Foi feita uma breve apresentação, sem espaço para discussões, e o encontro foi encerrado precocemente.

Segundo quatro presentes, não foi sequer possível obter informações suficientes para avaliar o trabalho feito até agora, o que reforça dúvidas sobre como solucionar o financiamento climático. O “roadmap” é uma das principais apostas para tentar mobilizar, além de recursos públicos, também o capital privado.

Os países europeus tiveram uma posição retraída em geral –e evitaram indicar qualquer novo compromisso.

Victor Menotti, porta-voz da Campanha por Justiça Climática, lembra que os países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ampliaram seu investimento na área de Defesa para 5% do PIB (Produto Interno Bruno), após demanda de Trump.

“Se você olhar as principais capitais [da Europa], elas vivem crises fiscais. A França mal tem um governo no momento. A Alemanha está investindo em militarização […] Então, onde fica o financiamento climático?”, questiona.

André Guimarães, diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), lembra que a União Europeia não apresentou ainda a sua NDC, sigla pela qual é conhecida a meta para redução das emissões de CO2. “Sabemos o que temos que fazer aqui no Sul Global […]. Nós temos compromisso e temos vontade de fazer, mas nos faltam recursos”, avalia.

Segundo duas pessoas que acompanharam a reunião, a Alemanha defendeu investimento em adaptação, o multilateralismo e fez uma das poucas menções explícitas à redução dos combustíveis fósseis, outro possível impasse.

Dois debates estão na mesa em Belém. O primeiro é sobre transição energética justa, ou seja, que não traga benefícios apenas aos países ricos, mas também para os outros, que são os que mais sofrem com os impactos da mudança climática.

Este tema está dentro da agenda prevista para a COP30. Segundo três negociadores, é praticamente consenso que ele precisa ser discutido, mas os países estão distantes de ter uma direção clara sobre como conduzir esse processo.

O segundo debate é o “transitioning away”, que significa, em tradução livre, caminhar para longe do uso de combustíveis fósseis. Essa terminologia foi acordada na COP28 e, à época, representou um marco. Desde então, porém, jamais os países conseguiram avançar sobre o tema.

Pelo contrário, enquanto países menores defendem que precisam de recursos para a descarbonização, nações baseadas em petróleo barram voltar a este debate e dão o assunto por resolvido -mesmo sem haver acordo sobre como realizar essa transformação. Essa negociação não está na agenda de 2025.

Outro fato que chamou a atenção dos negociadores foi a Itália ter defendido os biocombustíveis. Isso porque essa é tradicionalmente uma pauta do Brasil, que é grande produtor de etanol e biodiesel. A Europa, por outro lado, sempre adotou uma postura protecionista neste tema, barrando a entrada destes insumos em seus mercados.