SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com a libertação dos reféns vivos que ainda estavam em poder do grupo terrorista Hamas e a entrega de quase 2.000 prisioneiros sob custódia de Israel à Cisjordânia e Faixa de Gaza, israelenses e palestinos viveram nesta segunda-feira (13) um dia de júbilo, euforia e alívio, atestado pelas imagens de comemorações nas ruas de Tel Aviv, Jerusalém e Ramallah.

“Um dia muito emocionante, o melhor dia dos últimos dois anos, sem dúvida, e um dos mais importantes da história de Israel”, diz à Folha o guia turístico brasileiro-israelense Gabriel Schorr. “Todos estão festejando nas ruas depois de dias em que a volta dos reféns parecia quase utópica.”

Já a palestina Um Ahmed disse à agência de notícias Reuters que a alegria pela soltura dos prisioneiros -foram 1.968, que cumpriam pena por uma série de acusações diferentes em prisões israelenses- se misturava à tristeza pela situação em Gaza. “Estou feliz pelos nossos filhos libertos, mas sofro por aqueles mortos pela ocupação.”

Dúvidas sobre os próximos passos do acordo de paz pairam sobre a região. A despeito da conferência entre países muçulmanos, europeus e os Estados Unidos nesta segunda no Egito para a assinatura do acordo de cessar-fogo em Gaza, questões cruciais seguem sem resolução -como o desarmamento do Hamas, a reconstrução da Gaza e a natureza exata do governo tecnocrático que deve assumir o controle do território palestino.

Esses pontos fazem parte do plano de paz de Donald Trump, aprovado tanto por Israel quanto pela liderança do Hamas e referendado por países mediadores, como Egito, Turquia e Qatar. Nos últimos dias, entretanto, o grupo terrorista tem evitado se pronunciar sobre os próximos passos das negociações, enquanto o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, que não foi à reunião no Egito, diz que “a guerra ainda não acabou”.

“O único ponto que ainda tem a capacidade de implodir o acordo de paz é a questão do desarmamento”, afirma João Koatz Miragaya, mestre em história pela Universidade de Tel Aviv e assessor do Instituto Brasil-Israel. “Mas mesmo que o Hamas seja desarmado completamente, coisa com a qual [o grupo] ainda não concordou e que eu não acredito que vá acontecer, não será em um curto espaço de tempo.”

“Além disso, o processo não está claro: quem vai fazer esse desarmamento? Quem vai verificar que ele está acontecendo? Quem vai ocupar o lugar de força armada em Gaza? Nada disso está definido”, avalia.

Ainda assim, Miragaya aponta que a facção palestina provavelmente já concordou com um desarmamento parcial durante as negociações, de modo que o acordo deve se manter de pé, pelo menos no curto prazo. “Há muitas forças envolvidas e pressão demais sendo exercida. E o Hamas jamais teria libertado os sequestrados vivos se não houvesse garantia clara [de que a guerra acabaria].”

Do outro lado da equação, Netanyahu parece seguir fazendo cálculos para garantir sua sobrevivência política. O político é acusado de prolongar e ampliar a guerra com o objetivo de evitar responsabilização por falhas de segurança que levaram ao 7 de Outubro e barrar o avanço dos processos por corrupção que correm na Justiça -e agora busca evitar a impressão de que foi forçado por Trump a concordar com um cessar-fogo depois de atacar o Qatar e azedar a relação com os países árabes.

Para Miragaya, a ausência de Netanyahu na cúpula desta segunda no Egito é sinal disso. “Relatos da imprensa israelense afirmam que [o premiê] foi convidado, mas que não iria por causa do feriado de Simchat Torá” -o que não passaria de desculpa, uma vez que políticos israelenses mais religiosos do que Netanyahu já descumpriram deveres judaicos quando havia necessidade diplomática.

Outra possibilidade, segundo o jornal britânico The Guardian, é de que a recusa de Netanyahu tenha ocorrido após o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaçar não pousar no Egito caso o israelense comparecesse. A Turquia se tornou uma das principais mediadores entre Israel e Hamas nessa reta final das negociações.

“A ausência dele está ligada a dois pontos: a participação [do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud] Abbas, porque a base extremista de Netanyahu não gostaria nada de ver os dois lado a lado, e a certeza de que alguma parte do acordo vai desagradar essa mesma base e acelerar a derrubada do governo”, avalia.

Isso porque o premiê depende de partidos de extrema direita para governar, e sua saída da coalizão precipitaria eleições e poderia levar ao fim da era Binyamin Netanyahu na política israelense. “Mas quando [o premiê] opta por não ir, ele se abstém de ser parte de planos de paz para o Oriente Médio -e assim Israel deixa que outros atores decidam o futuro da região”, conclui Miragaya.