PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Uma das principais críticas em relação a aplicativos de vídeos curtos, como o TikTok e a função reels do Instagram, é que os conteúdos oferecidos são altamente personalizados por algoritmos e, com isso, podem ser viciantes.
Com isso em mente, diversas plataformas de compras online apostaram na receita para aumentar as vendas, unindo feed infinito, vídeos, algoritmos que entregam conteúdo personalizado e a possibilidade de interação com os anúncios.
São elas o Mercado Livre e a Shopee, populares no Brasil, os aplicativos chineses Taobao, JD.com e Pinduoduo, o indiano Flipkart e o TikTok Shop, entre outros. A Folha de S.Paulo entrou em contato com as empresas representantes das plataformas, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.
Para quem vê de fora, parece coisa simples. Conforme o aplicativo aprende com as compras, buscas e cliques, maior o número de anúncios do mesmo gênero são oferecidos neste feed. Por dentro, esse é o tipo de modelo de recomendação altamente treinado que permite que o usuário gaste horas do seu dia rolando entre um conteúdo ou produto e outro.
A eficácia desse tipo de sistema se deve, segundo o cientista computacional Julian McAuley, a trazer à tona um tipo de conteúdo em que os usuários se envolvem muito. Outro fator, de acordo com o especialista, se dá devido à forma como “o engajamento é conduzido principalmente pelas recomendações. Você recebe muitos sinais do usuário sobre se as recomendações são boas”.
“Esse é, de certa forma, um cenário ideal para treinar modelos de recomendação, já que conseguimos aprender tanto sobre o usuário em tão pouco tempo”, diz ele, que atua como docente na Universidade da Califórnia em San Diego.
Já Calvin Newport, professor de ciência da computação na Universidade de Georgetown, afirma que esses recursos são projetados para sequestrar centros de motivação de curto prazo, o que torna as interrupções mais difíceis. Os princípios gerais, segundo ele, são os mesmos usados no design de caça-níqueis.
A preocupação é que as compras se tornem, cada vez mais, um consumo motivado pelo hábito. “A adicção ao comércio amplifica as preocupações que já temos sobre as redes sociais tradicionais”, diz ele, que é também autor de livros sobre tecnologia e produtividade.
O TikTok usou a fórmula para o lançamento do TikTok Shop, uma área de compras dentro do aplicativo tradicional.
Os produtos vendidos na plataforma são oferecidos durante o uso comum da rede social, com propagandas pontuais sendo apresentadas entre os vídeos que o usuário já assiste. O feed dedicado aos produtos só pode ser encontrado na aba TikTok Shop, onde o algoritmo oferece conteúdo com base nos vídeos assistidos e nas interações na rede social.
Uma adolescente que assiste a conteúdo sobre maquiagens, por exemplo, terá à sua disposição para compra os mesmos produtos apresentados por influenciadores em seu feed.
A expectativa de sucesso da iniciativa no Brasil é grande, com relatório do Santander de maio deste ano apontando faturamento de R$ 39 bilhões até 2028. O recurso também está disponível na plataforma nos EUA, no Reino Unido e na Indonésia, entre outros.
Para Kent Berridge, professor de psicologia e neurociência na Universidade de Michigan, é plausível acreditar que esses algoritmos sejam treinados para ativar sistemas dopaminérgicos mesolímbicos, o que pode criar o desejo e a urgência de continuar interagindo.
“Isso mantém a pessoa engajada e ansiosa por mais. Mas os sistemas de dopamina não causam prazer real ou o gostar das recompensas, de modo que o engajamento contínuo da dopamina pode não ser agradável ou satisfatório no final”, explica ele, que estuda a neurociência por trás do gostar e do querer.
Há também casos em que o recurso foi descontinuado. O Amazon Inspire, por exemplo, área de vídeos curtos para anúncios de produtos dentro da plataforma americana, teve apenas três anos de vida. Lançado em 2022, foi deixado de lado este ano.
Ao portal de notícias The Verge, o porta-voz da Amazon, Maxine Tagay, disse que a empresa “avalia regularmente vários recursos para melhor se alinhar com o que os clientes nos dizem que é mais importante e, como parte disso, o Inspire não está mais disponível”.