SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Valores depositados em contas bancárias no exterior podem passar por processo de inventário fora do Brasil, além de estarem sujeitos ao imposto sobre herança aqui e no outro país, em caso de morte do titular. Todas essas questões dependem de fatores como local em que está o dinheiro, estado em que morava falecido e valores envolvidos.

A Justiça brasileira tem competência para processar o inventário quando os bens estão no Brasil. Para aqueles no exterior, o processo é realizado no país onde estão localizados.

A divisão dos recursos em outros países pode estar sujeita a regras diferentes das válidas no Brasil, onde 50% dos bens ficam com os herdeiros necessários, como descendentes e cônjuge. A legislação americana, por exemplo, permite mais liberdade no testamento, embora algumas situações possam ser questionadas como fraude.

“Não dá para o cliente que está morrendo transferir todo o patrimônio para uma conta lá fora, colocar a amante como herdeira, e a mulher e o filho não receberem nada. Nessa situação, o Judiciário brasileiro pode desconstituir”, afirma Matheus Piconez, sócio do Veirano Advogados.

Outro ponto de atenção é a tributação dos recursos. Nos Estados Unidos, o limite de isenção de imposto de herança para estrangeiro não residente é de US$ 60 mil (R$ 320 mil) para a maioria dos ativos, como imóveis e contas de investimento. O saldo em dinheiro mantido em conta bancária está isento, independentemente do valor.

“Normalmente, o imposto americano é de até 40%, mas o tributo e a isenção têm regras específicas em cada estado”, explica Alamy Candido, tributarista sócio do Candido Martins Cukier.

As regras americanas não se aplicam no caso em que a conta está naquele país, mas os dólares foram investidos em ativos em outra jurisdição.

No Brasil, a herança é tributada pelo ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), imposto estadual que pode chegar a 8%. Atualmente, há uma controvérsia no Judiciário sobre a cobrança desse tributo feita por alguns estados, como São Paulo, em relação a bens no exterior, como mostrou o caso envolvendo a família do apresentador Silvio Santos.

Está em debate a necessidade de novas leis estaduais prevendo a cobrança após a aprovação da reforma tributária, em 2023. Alguns estados já resolveram a questão e, em breve, todos devem estar autorizados a tributar a transmissão de recursos que estão fora do país, e o Brasil não possui acordo para evitar bitributação desses ativos.

“Potencialmente, pode ter dupla tributação de herança. O imposto pago no exterior não é compensado se ele for devido no Brasil”, afirma Hermano Barbosa, sócio de Direito Tributário do BMA Advogados.

Um mecanismo evita a necessidade de inventário no exterior é o “joint tenancy with right of survivorship” (propriedade conjunta com direito de sobrevivência), que permite a transferência automática dos bens para o coproprietário.

Ele existe em países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, mas não no Brasil. Esse arranjo, no entanto, não afasta a possibilidade de tributação, seja no aqui ou no exterior.

“Há até uma discussão se a instituição de uma cláusula de ‘joint tenancy’ anteciparia algum efeito tributário”, afirma Michel Siqueira, sócio de Planejamento Patrimonial & Sucessório do Vieira Rezende Advogados. Nesse caso, o imposto pode ser cobrado no momento em que se cria a cotitularidade, sobre 50% dos recursos, e sobre a outra metade após a morte.

Existe também a conta com subdono. Nesse caso, o dinheiro pertence apenas ao titular principal e, em caso de morte, o acesso ao dinheiro é revogado e o recurso pode entrar no inventário. No Brasil, por exemplo, o dinheiro em uma conta conjunta faz parte do processo de partilha entre herdeiros.

Contas em paraísos fiscais ou países com tributação favorecida —como Luxemburgo e Ilhas Virgens— podem escapar do imposto sobre herança lá fora, mas o dinheiro estará sujeito à cobrança no Brasil, caso a pendência legislativa que existe atualmente seja resolvida.

“É preciso tomar muito cuidado quando se faz planejamento sucessório no exterior. Você pode cair em algumas armadilhas, tributárias e sucessórias”, afirma Piconez, do Veirano Advogados. “O recado principal é sempre avaliar as regras na jurisdição onde estão seus ativos e investimentos.”

Hermano Barbosa, do BMA, afirma que não há soluções mágicas para escapar de impostos, inventário e outras questões que podem gerar dor de cabeça para quem tem recursos fora do país. Mas é possível se planejar.

Há países que admitem, por exemplo, a indicação de um beneficiário para conta na hipótese de falecimento, de modo que ela seja transmitida automaticamente. Alguns investidores também optam por estruturas como trusts, cotitularidade de bens ou testamento.

“Não existe solução única para todos os casos. O que se faz na prática é que as pessoas procuram se antecipar e criar mecanismos que, dentro da lei, permitam uma transferência menos burocrática dos bens.”