SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cada nova temporada, o drama antológico “Monstro” volta a fazer barulho com seus retratos da vida de assassinos reais. Foi assim com “Dahmer: Um Canibal Americano” (2022), com “Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais” (2024) e, agora, com “A História de Ed Gein”, que estreou no começo do mês na Netflix.

A obra é uma crítica à espetacularização desses crimes ou acaba cometendo o mesmo que acusa os outros de fazerem? Ryan Murphy, um dos criadores e produtores executivos da série, fica com a primeira opção. “Essa questão sempre surge”, diz ele em bate-papo com a imprensa internacional, do qual o F5 participou.

“As pessoas falam: ‘Você sabe que está glorificando eles, né? Que está dando a eles uma plataforma?’. Não acredito que isso seja verdade”, prossegue. “Não acho que estamos glorificando ninguém, acho que estamos simplesmente tentando explicá-los.”

Murphy destaca que tenta destrinchar essas pessoas dentro do contexto cultural em que estavam inseridos. No caso de Ed Gein (na série vivido por Charlie Hunnam), por exemplo, tentou mostrar como a Segunda Guerra Mundial e a crueza das imagens que circulavam na época o atormentaram.

“Estamos em um tempo de guerra em todo o mundo”, analisa. “Acho que as imagens que estamos vendo acabam nos tornando insensíveis a elas. E não deixa de ser um comentário sobre esse assunto também. Eu realmente acredito que é trabalho do artista iluminar, destacar e abordar assuntos arriscados.”

O produtor defende que o mergulho na história de Ed Gein se deu pelo que ele poderia nos contar sobre os tempos atuais. “Sinto o mesmo a respeito de Dahmer, dos Menendez e de Lizzie Borden”, diz, referindo-se à assassina já anunciada da quarta temporada. “Não acho que seja gratuito.”

Murphy exemplifica com uma história que ele queria muito contar, mas que acabou abandonando –ao menos por enquanto– por não ter nenhuma questão de fundo que pudesse explorar. “Chegamos a escrever três episódios sobre Luigi Mangione [acusado de matar Brian Thompson, CEO da UnitedHealthcare], mas os pais dele não queriam falar, o julgamento ainda estava emperrado, então mudamos o foco para o Ed Gein”, conta.

A história do “açougueiro de Plainfield”, como também era conhecido, era de conhecimento do roteirista desde que ele era criança. “Tive uma introdução pessoal a Ed Gein quando tinha oito anos”, comenta. Murphy diz que resolveu assistir a “Psicose” (1960), de Alfred Hitchcock, numa noite em que os pais o deixaram aos cuidados de uma babá. “Fiquei transtornado e liguei para a minha avó, que teve de vir me socorrer”, lembra, aos risos.

Mesmo assim, no dia seguinte, ele foi à biblioteca para ler tudo o que pudesse sobre o filme, e foi quando descobriu que a história era inspirada em Ed Gein. “Sempre fui fascinado por ele”, admite ele, citando ainda obras como “O Massacre da Serra Elétrica” (1974) e “O Silêncio dos Inocentes” (1991), que também beberam da mesma fonte (e, inclusive, são referenciadas na série).

“Sempre tive interesse em explorar por que cada geração faz uma versão mais violenta e mais gráfica dessa história, e eu queria entender o motivo”, explica. “Por que estamos tão interessados nisso? O que está acontecendo em nosso ambiente para nos tornarmos insensíveis à versão da geração anterior?”

Apesar de avaliar que as pessoas se assustam inicialmente com a natureza cruel dos crimes mostrados, ele diz acreditar que, com o tempo, elas acabam entendendo a mensagem que ele quis passar a cada trama. Na atual temporada, afirma, seu interesse era falar sobre doença mental e isolamento masculino.

“Sabe, as pessoas não falam muito sobre isso, mas se você olhar para Ed Gein, ele era de muitas maneiras o protótipo do que que agora chamamos de incel”, compara. “Ele estava isolado. Ele tinha problemas com mulheres. Ele estava muito frustrado. Ele lutava contra doenças mentais. Então, nunca é apenas sobre um crime. É sobre uma questão social.”

Ao mesmo tempo, ele diz tentar que o programa não seja “um resumo da Wikipédia”. “Não estamos fazendo um documentário”, afirma. “Estamos fazendo uma pintura. Estamos tentando preencher cores que não conhecemos a respeito de figuras históricas.”

Murphy avalia que o sucesso do programa, que novamente está entre os mais assistidos do mundo no streaming, se dá por que ele funciona como “uma válvula de escape para muitas coisas”. “Acho que é porque as pessoas estão procurando uma maneira de expressar e lidar com suas ansiedades, sabe? Essa série faz isso, eu acho.”