SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aberta logo após a fundação de São Paulo, transformada em núcleo de negócios no auge do ciclo do café e estabelecida como um dos principais pontos comerciais da cidade por décadas, a rua Direita conserva atualmente apenas vestígios dos seus tempos de glória.

Um levantamento realizado pelo DPH (Departamento do Patrimônio Histórico) do município identificou que muitos dos imóveis da via -um calçadão para pedestres- possuem fachadas que interferem negativamente na paisagem do Centro.

Sujeira, fiação exposta, desocupação, pichação, instalações de painéis inadequados e alterações em desacordo com a arquitetura original estão entre os problemas apontados.

Esse fichamento de prédios degradados é parte de um projeto-piloto que tentará convencer comerciantes da região a recuperarem as fachadas dos estabelecimentos que eles ocupam.

A rua Direita está inserida no perímetro do chamado triângulo histórico, uma pequena área do distrito Sé delimitada pelas ruas Boa Vista, Líbero Badaró e Benjamin Constant. Essas vias ligam o Pateo do Collegio, local de fundação da metrópole, aos largos de São Bento e São Francisco, também marcos fundamentais paulistanos.

Após um longo processo de decadência aprofundado durante a pandemia, o triângulo histórico se tornou em 2020 alvo de uma política municipal que oferece incentivos econômicos para sua reocupação, como a isenção parcial do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).

Dados levantados pela Associação Comercial de São Paulo sugerem uma recuperação. O número de empresas abertas nessa área subiu de 129, em 2022, para 303, em 2024.

O relatório ao qual a reportagem teve acesso sobre a rua Direita faz diagnósticos das principais patologias e propõe ações de recuperação para 17 imóveis tombados ou localizados em áreas envoltórias de outros bens que integram os patrimônios municipal e, em alguns casos, estadual e federal.

Medidas simples como limpeza e remoção de elementos em desacordo com as características originais são sugeridas em praticamente todos os casos. Pinturas e painéis com cores berrantes também foram apontados como inadequados. Em alguns casos, os técnicos da prefeitura sugerem paredes com pinturas claras e padronização de toldos na cor verde-escuro.

Alguns dos estabelecimentos fichados pelo DPH retratam mudanças históricas na geografia da cidade e também no comportamento dos seus habitantes. É o caso edifício onde funcionou o extinto Cine Theatro Alhambra, localizado no número 231 do calçadão.

Com instalações voltadas à “alta sociedade” paulistana da época, a sala inaugurada no final dos anos 1920 tinha como proposta ser a primeira a possuir tecnologia compatível para exibição de produções de alguns dos grandes estúdios americanos, como o Metro-Goldwyn-Mayer.

Um século depois, o prédio de dois pavimentos tem seus traços ofuscados pelas cores e logotipo de uma loja da rede de varejo Magazine Luiza. Até mesmo uma coluna que compunha o desenho original foi retirada para abrir espaço para a exposição de eletrodomésticos, alterando o ritmo dos vãos da fachada. A empresa optou por não comentar.

Patologias construtivas e paisagísticas como as apontadas no Cine Alhambra se repetem em quase todos os imóveis ocupados pelo comércio popular, principal característica da rua Direita hoje em dia.

Outra ocorrência apontada pelo relatório é a presença de fachadas desocupadas, como ocorre em edifícios que compõem o complexo administrativo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O órgão não havia respondido até a publicação desta reportagem.

O levantamento realizado pelo órgão de patrimônio da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) não aponta irregularidades, como descumprimento da Lei Cidade Limpa, por exemplo.

A iniciativa é tratada como um convite aos comerciantes da região central para que eles apresentem propostas que valorizem a arquitetura dos imóveis do triângulo histórico, segundo a Secretaria de Cultura e Economia Criativa.

Favorável ao plano de recuperação das características históricas da rua Direita, o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Roberto Mateus Ordine, afirma que a iniciativa é coerente com a intenção da entidade de devolver ao centro histórico características que ele compara às de um shopping a céu aberto.

“Esse modelo vem agregar ao nosso desejo de transformar essas ruas em um shopping, a céu aberto, que já vem ocorrendo”, diz Ordine. “Há um número muito grande de comerciantes que já estão voltando para o centro, abrindo lojas, já existe uma programação [de reocupação] muito superior à que nós imaginávamos.”

Segundo Ordine, a proposta será apresentada a proprietários de imóveis e comerciantes, que avaliarão questões como a necessidade de pedir contrapartidas além dos incentivos já oferecidos naquele perímetro.

Independentemente da discussão em curso no DPH, os projetos e intervenções em patrimônios históricos da cidade de São Paulo devem ser submetidos à aprovação do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental).