SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Montar um texto do polêmico Yukio Mishima é um desafio em tempos de cancelamentos digitais. O autor japonês ficou célebre por escrever sobre os temas aparentemente mais banais, mas também desafiadores para o Japão conservador do pós-guerra. Nacionalista, ele defendia ferozmente as tradições enquanto elaborava poemas, romances e peças complexos abordando a homossexualidade e a morte.
Mas foi justamente esse autor que a Mundana Companhia, grupo que vem desenvolvendo um consistente trabalho de residência no Instituto Capobianco, no centro de São Paulo, leva ao palco com “As 3 Cores Primárias”.
A luminosidade e a juventude apaixonada da obra podem soar contraditórias para quem se lembra do Mishima que cometeu “seppuku” –o tradicional ritual japonês de suicídio honroso– em frente às câmeras da TV japonesa, em 25 de novembro de 1970. Isso logo após seu grupo de extrema direita Tatenokai, ou sociedade do escudo, ter falhado numa tentativa de golpe de estado que pretendia devolver ao imperador seu status de divindade pré-Segunda Grande Guerra. São opostos, na verdade, que estão em toda a vasta obra do autor de “O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar” e “O Caminho do Samurai”.
Fazer uma sinopse da peça dirigida por Aury Porto, também fundador da companhia, seria uma injustiça com o espectador. Qualquer resumo vai entregar o desfecho colorido da trama, em que três personagens, vividos pelos jovens André Mourão, Dom Capelari e Julianne Hamaoka, buscam o belo e a paixão numa tarde passada à beira do mar –temáticas recorrentes a Mishima.
“Essa peça, para mim, ela é ecológica”, diz Porto. “Eu digo que ela é erótica, ecológica e utópica, porque no mundo das relações humanas completas, da perfeição de que o Mishima fala, que é um círculo, para eles atingirem o círculo, que é perfeito, precisam estar os três juntos, nunca poderiam ser um triângulo.”
Porto avalia que “a reflexão que os personagens fazem, chafurdando na emoção, é sempre atravessada por alguma coisa da natureza”, o que se reflete nos sons de fundo, de “animais no cio, do mar, do vento”, e nas citações do brilho da areia da praia, das matas, da paisagem e dos gestos que emulam o voo das aves rumo à liberdade.
E as cores, onde entram? “Eles se fazem as cores primárias”, diz Porto, lembrando que, na última cena, cada um diz ser uma das cores primárias –amarelo, vermelho, azul. “Mas eles não dizem ‘eu sou o amarelo’, mas, sim, ‘eu sou amarelo’, porque ele é a própria cor, como as cores estão na natureza”.
A peça integra uma programação que inclui ainda exibições da cinebiografia de Mishima, dirigida pelo americano Paul Schrader, e três filmes baseados em obras suas, “Medo de Morrer”, de Yasuzô Masumura; “O Templo do Pavilhão Dourado”, de Yôichi Takabayashi; e “Neve de Primavera”, de Isao Yukisada. Em novembro, será realizada uma palestra sobre a vida e a oba de Mishima, ainda sem data marcada.
As 3 Cores Primárias
Quando: Até 16/11. Sex. e sáb., às 20h. Dom., às 18h
Onde: Instituto Capobianco, rua Álvaro de Carvalho, 97, Centro
Preço: Entre R$ 10 e R$ 30, pelo aplicativo Sympla ou na bilheteria
Ciclo de filmes
7 de outubro – 19h – “Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos”
14 de outubro – 19h – “Medo de Morrer”
21 de outubro – 19h – “O Templo do Pavilhão Dourado”
28 de outubro – 19h – “Neve de Primavera”