SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo publicado na revista PLOS One concluiu que cinco áreas das ciências acumulam mais láureas do Nobel. São elas: física das partículas, biologia celular, física atômica, neurociência e química molecular. O artigo, publicado em 2020, analisou o tema do artigo-chave dos vencedores do prêmio de Medicina, Física e Química entre 1995 até 2017.

Apesar de os cinco domínios representarem 10% de 63 milhões de artigos científicos –a sua maioria publicados entre 1996 e 2016–, eles somam 54% dos prêmios Nobel. Os autores usaram uma classificação que divide a ciência entre 114 domínios, e apenas 36 deles receberam ao menos um Nobel.

Os autores do artigo argumentam que isso pode direcionar os recursos voltados para pesquisa, o que resulta em um ciclo de desigualdade em que as áreas de menor destaque no Nobel recebem menos recursos para pesquisas e conseguem avançar menos.

A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Francilene Garcia, diz que a falta de premiação voltada à área ambiental -até por não haver um prêmio específico para essa área- fez com que a ciência do clima demorasse a entrar em evidência.

Até que, em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) ganhou o Nobel da Paz, em conjunto com Al Gore Jr., por disseminar conhecimentos relacionados às mudanças climáticas. “Isso é que trouxe, digamos assim, o alerta para o mundo, sobretudo para os tomadores de decisão, sobre o que a ciência já vinha trazendo”, afirma Francilene.

A professora Marinês Domingues Cordeiro, do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina, que pesquisa história, filosofia e sociologia da ciência na educação científica, pondera que o alinhamento entre investimentos e áreas privilegiadas pelo Nobel se encaixa melhor em países mais ricos que investem mais em ciência.

Ela afirma também que o Nobel, bem como outras premiações, não pode ser visto como algo objetivo, e sim relacionado à visão de uma comunidade sobre o estado da ciência. “Premiações são boas? Ajudam a dar visibilidade a uma área de investigação? Isso eu acho que a gente não pode negar. Mas a gente, como público, sempre deve compreender que elas são efeitos sociológicos da prática científica.”

De acordo com a professora, a preferência do Nobel pela física de partículas, por exemplo, pode estar relacionada aos avanços apresentados pela área. “Muito do desenvolvimento teórico de física de partículas é das décadas de 60 e 70. Só que os aceleradores de partículas foram ficando cada vez melhores. Então, no período escolhido por esses autores, que é de 1995 a 2017, a gente teve uma série de coisas acontecendo.”

Ela destaca, porém, que de 2018 em diante o domínio perdeu destaque no Prêmio Nobel, enquanto assuntos como inteligência artificial, “machine learning” e redes neurais, ou seja, assuntos do momento, emergiram. Em 2024, o americano John Hopfield e o britânico Geoffrey Hinton levaram a láurea de Física por descobertas que possibilitam o aprendizado de máquina com redes neurais artificiais.

Para o professor de história da USP Gildo Magalhães dos Santos Filho, a prevalência da física das partículas bem como da atômica está ligada a interesses econômicos relacionados a aplicações de informática e novos materiais. Já a biologia celular, a neurociência e a química molecular são de interesse das indústrias médica e farmacêutica.

Magalhães avalia que o Nobel também costuma priorizar pesquisadores que trabalham em linha com hipóteses dominantes, o que torna os comitês da láurea “redutos de ciência ortodoxa” e ignora uma parte das pesquisas.