BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – Mais um ano de prêmios Nobel em Medicina, Física e Química se encerrou e, mais uma vez, mulheres tiveram um espaço mínimo nessas categorias, com somente uma premiada. Se esse é o cenário frequente, por outro lado, algo mais raro ocorreu neste ano: um Nobel científico para um pesquisador nascido em um país do Oriente Médio –com o asterisco de a carreira do cientista ter sido desenvolvida nos EUA.

A única láurea para uma mulher em 2025 ficou com a americana Mary E. Brunkow. Ela dividiu a de Medicina com mais dois homens. Os demais seis agraciados nas outras duas categorias científicas foram homens.

A presença minoritária de mulheres no Nobel está longe de ser uma novidade. Inclusive, em anos recentes, houve ocasiões em que nenhuma mulher foi premiada, como em 2024, apesar da presença maciça delas nas diversas áreas de conhecimento.

Historicamente, desde 1901, quando as láureas passaram a ser distribuídas, e levando em conta só as três categorias científicas, houve presença feminina em 21 anos da premiação –vale mencionar que, em alguns anos, como nos períodos da Primeira e da Segunda Guerra, o prêmio não foi entregue. Ao todo, elas foram laureadas 27 vezes –um total de 26 mulheres, uma vez que Marie Curie foi agraciada duas vezes, em Física e Química.

Em comparação, foram 635 vezes no caso dos homens –4 deles ganharam duas vezes.

Alguém pode afirmar que historicamente havia mais presença de homens em carreiras, inclusive nas científicas. E essa afirmação estaria, até certo ponto, correta, considerando travas para o acesso às universidades –apesar de exemplos como o de Marie Curie e de sua filha Irène Joliot-Curie mostrarem que mulheres estavam, sim, envolvidas em pesquisas e descobertas durante todo esse tempo.

De toda forma, a situação já mudou há um tempo considerável, mas as premiações continuam escassas.

Márcia Barbosa, reitora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e membro titular da ABC (Academia Brasileira de Ciências), diz que o panorama deste ano traz surpresa para zero pessoas.

“Tem áreas –e aí eu pego a minha área que é física– em que o percentual de mulheres no ingresso já é muito baixo. Então, chegar ao topo é muito baixo”, diz Barbosa. “A química é um pouquinho mais surpreendente. Porque a química é uma área onde, já no ingresso hoje, as mulheres são em torno de 50%. Então, a gente poderia ter uma expectativa de que, em três, tivesse pelo menos uma mulher. Mas, obviamente, há temas nas subáreas de pesquisa com mais presença de mulheres.”

Luiz Augusto Campos, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e pesquisador apoiado pelo Instituto Serrapilheira, cita estudos de sociologia da ciência das décadas de 1960 e 70 da americana Harriet Zuckerman, pesquisadora na Universidade Columbia, em Nova York, que apontavam as dificuldades enfrentadas por mulheres no mundo acadêmico.

Em um de seus estudos, Zuckerman questiona: “O que, então, pode ser dito sobre a distribuição de premiações entre homens e mulheres da ciência?”.

Segundo Campos, que coordena estudos sobre diversidade no mundo acadêmico, entre os pontos citados por Zuckerman estaria o fato de que a ciência se caracteriza por uma “série de filtros que vão se interpondo, numa espécie de olimpíada que vai reproduzindo e potencializando desigualdades sociais”.

“E os prêmios são um espaço de muita potencialização dessas desigualdades”, afirma Campos.

Zuckerman escreveu: “O princípio da tripla penalidade, como observamos, afirma que as mulheres cientistas são triplamente prejudicadas: primeiro, por terem que superar barreiras para entrar na ciência; segundo, pelas consequências psíquicas da discriminação percebida –aspiração limitada–; e terceiro, pela discriminação real na alocação de oportunidades e recompensas”.

De toda forma, vale mencionar que esta reportagem está somente considerando as áreas científicas. Quando todas as áreas são levadas em conta, a situação melhora pelo menos um pouco. Por exemplo, neste ano o Nobel da Paz foi para María Corina Machado, líder opositora da Venezuela. Ainda assim, até o momento, são só duas mulheres laureadas em 2025.

Barbosa, por fim, traz um dado curioso de um levantamento que fez. Ela olhou para as mulheres que ocupavam os cargos de reitoras em universidades federais nos últimos 20 anos. O valor passou de pouco mais de 10% no começo do governo Dilma Rousseff para quase 30% ao fim dele.

“Fica muito claro que a política que mais impactou em aumentar o percentual de mulheres reitoras foi a presença de uma mulher na Presidência da República, o período Dilma”, afirma Barbosa.

MAIS UM NOBEL PARA O ORIENTE MÉDIO

Em um período extremamente sensível para imigrantes nos EUA, devido às políticas e mentalidade postas em prática pelo governo do republicano Donald Trump, curiosamente, um imigrante do Oriente Médio levou mais um Nobel para o país.

Omar M. Yaghi, 60, pesquisador da Universidade da Califórnia, Berkeley, recebeu o prêmio de Química deste ano com mais dois pesquisadores. Ele foi o primeiro laureado nascido na Jordânia.

“Eu nasci em uma família de refugiados e meus pais mal sabiam ler ou escrever. Então, é uma jornada e tanto, e a ciência permite que você a faça. Quero dizer, a ciência é a maior força equalizadora do mundo”, afirmou Yaghi, em uma entrevista ao site do prêmio Nobel.

Esta é somente a nona premiação para um cientista nascido nessa região do mundo e, curiosamente, a oitava para a área da química. A última láurea para uma pessoa nascida no Oriente Médio havia ocorrido em 2021, em Medicina, para Ardem Patapoutian, a primeira pessoa nascida no Líbano a ganhar um Nobel.

Mas uma coisa chama a atenção entre todos esses prêmios. Todos estavam desenvolvendo carreiras fora de seus países de origem, com a maior parte deles nos EUA. As exceções ficam por conta de um que desenvolvia pesquisas na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e a maior parte dos cientistas de Israel citados, que faziam suas pesquisas em seu próprio lar de origem –menos um deles, que estava na Califórnia, nos EUA.

“Pessoas inteligentes, pessoas talentosas, pessoas habilidosas existem em todos os lugares. É por isso que realmente devemos nos concentrar em liberar seu potencial, proporcionando-lhes oportunidades”, afirmou o primeiro ganhador de um Nobel da Jordânia.