RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Barcos perfilados na Lagoa Rodrigo de Freitas, famoso palco do remo no país. O tiro de largada, porém, vai representar uma página ainda inédita: pela primeira vez no Campeonato Brasileiro uma embarcação formada apenas por atletas paralímpicos vai estar na raia contra atletas convencionais.

A disputa vai acontecer na prova de Oito Com Timoneiro —que possui oito atletas com um remo cada— uma das mais tradicionais da modalidade.

“Eu gostaria que o público tivesse essa visão de disputa, e não uma visão capacitista. Quero que todos olhem e falem: ‘Eles conseguem fazer assim com todo mundo’. Essa é a minha ideia. Quando a pessoa está inserida, consegue fazer junto com a galera que é do convencional. Isso é sensacional. Vai ser muito bom esse passo, até para mostrarmos para a sociedade que somos capazes”, conta, com lágrimas dos olhos, Guyl Moreira “Gigante”, idealizador do projeto

“A ideia é que cause esse impacto. Mostrar que somos capazes e dar esse retorno, chamar a atenção para o movimento paralímpico”, completou.

A embarcação vai contar com Guyl, Edmilson Neto, Keisy Bonine, Jairo Klug, Lucas Sodré, Adeilso de Abreu, Valdeni da Silva Junior, Salvador Maike e o timoneiro Jucelino da Silva “Birigui”. Todos pertencem à Classe PR3 —atletas com função residual nas pernas que lhes permite deslizar no assento, o que inclui também deficientes visuais.

No remo paralímpico não há a modalidade de Oito com Timoneiros. Eles vão utilizar um barco igual aos dos demais concorrentes. A diferença, se assim pode-se dizer, vai estar em um cuidado maior na definição da posição de cada um, para que possam ficar mais confortáveis para remar de acordo com as limitações.

“Todo mundo aceitou na hora e se empolgou. A preocupação foi mais a questão do encaixe mesmo, porque vamos usar o barco olímpico. Vamos buscar o melhor encaixe para que possamos ter o melhor ritmo”, conta Giga

A ideia surgiu quando ele assistiu, pela televisão, ao Desafio Brasil de atletismo, que contou com atletas da Confederação Brasileira de Atletismo e do Comitê Paralímpico Brasileiro, em julho.

Giga é portador da Doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT), uma condição genética hereditária que causa danos nos nervos periféricos e afeta os sinais entre os membros e o cérebro. A doença, hereditária, foi descoberta em 2013, após investigação que começou a partir de um triste episódio.

“Eu sempre estive no esporte, principalmente na natação. Sempre nadei. Em 2008, tive uma filha que nasceu com a síndrome de patau. Ela ficou 60 dias no hospital e acabou não sobrevivendo. A partir daí, começamos uma investigação mais a fundo. Eu nunca tinha associado as câimbras que sentia ou espasmos que tinha a algo do tipo. Achava que era por esforço excessivo, ou por ter ganhado peso. Mas descobri a Charcot-Marie-Tooth”, lembra.

Após o susto inicial com o diagnóstico, viu no esporte um aliado. “O médico falou que podia nadar, pedalar com cuidado… Acho que foi uma virada de chave. Eu queria continuar me movendo e isso me ajudava”.

Outro integrante da embarcação, Valdeni Junior perdeu parte da perna esquerda em um acidente automobilístico. Ele conheceu o remo paralímpico em 2018

“Eu uso uma prótese especial para remar, mas, mesmo assim, acabo perdendo alguma porcentagem de força. Adaptação que tenho de fazer no barco olímpico para alcançar uma boa amplitude de remada, tanto na entrada quanto na saída, é a troca de prótese. Mas consigo me adaptar bem, sem dificuldade”, conta.

Um dos mais experientes do barco é Jairo Klug. Ele é ex-atleta do remo convencional e esteve nos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro. Após um acidente de moto, teve uma perda de função no braço esquerdo. Em 2012, ingressou no remo paralímpico.