SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo feito por pesquisadores argentinos defende que a chegada dos primeiros seres humanos à América do Sul pode ter sido desastrosa para os mamíferos da Era do Gelo que viviam na região, num processo muito parecido com a caça a esses animais que aconteceu na América do Norte.

O trabalho, assinado por Luciano Prates, da Divisão de Arqueologia do Museu de La Plata, saiu no dia 1º deste mês no periódico especializado Science Advances. Junto com seus colegas Matías Medina e Ivan Perez, Prates analisou dados obtidos em sítios arqueológicos com idades entre 13 mil anos e 11,5 mil anos, concluindo que os mamíferos de grande porte dessa época, quase todos hoje extintos, eram o principal item do cardápio para as pessoas de então.

Considerando que preguiças-gigantes, cavalos, supertatus do tamanho de um Fusca e mastodontes (primos dos elefantes), entre outros membros da chamada megafauna do Pleistoceno, desapareceram do território sul-americano alguns milhares de anos após a chegada do Homo sapiens, a conclusão pode parecer óbvia. O que acontece, porém, é que, por enquanto, as pistas sobre o tema são um tanto contraditórias.

Em diversas regiões da América do Sul, como o próprio território brasileiro, as evidências diretas de caça à megafauna, como a manipulação de seus ossos por seres humanos, ainda são relativamente esparsas, embora estejam se avolumando ligeiramente nos últimos anos.

Alguns dos sítios arqueológicos mais antigos do Brasil, por exemplo, indicam que os primeiros ancestrais dos povos indígenas a chegarem ao país adotavam estratégias de sobrevivência que privilegiavam a captura de animais de médio e pequeno porte, além do consumo de vegetais. Não haveria sinal, portanto, do abate de espécies da megafauna em grande escala.

A nova pesquisa traz análises de países ao sul do Brasil: Argentina, Uruguai e Chile. Neles, também havia debates sobre o nível de ênfase na captura de mamíferos de grande porte por parte dos primeiros sul-americanos. Alguns trabalhos sugeriam uma estratégia de subsistência generalista, não muito diferente da dos grupos em território brasileiro, ou então uma preferência por presas que ainda existem na região, como guanacos (parentes selvagens das lhamas) e certas espécies de cervos.

Para explicar o sumiço de dezenas de espécies da megafauna (em geral definida como o conjunto dos animais terrestres com mais de 50 kg), alguns pesquisadores chamavam a atenção para o impacto das mudanças climáticas com o fim da Era do Gelo, que teria modificado muito os ambientes originais desses bichos. A caça também teria tido algum impacto sobre eles, mas poderia ter sido apenas o último empurrão no rumo do abismo afetando populações já fragilizadas.

No novo estudo, Prates e seus colegas começaram a análise com 41 sítios arqueológicos do chamado Cone Sul do subcontinente (englobando os Pampas argentinos e uruguaios, a Patagônia e a região central do Chile), todos com datações anteriores ao declínio final dessas espécies. Entretanto, eles peneiraram essa lista levando em conta o fato de que alguns desses sítios parecem ter uma cronologia bagunçada, em que datas muito mais recentes também foram identificadas. Com isso, chegaram a um subconjunto de 20 localidades com datações consideradas consistentes.

Nelas, a presença de ossos da megafauna parece ser bem mais comum. Na prática, isso significa não apenas que esses ossos aparecem com mais frequência em associação com artefatos produzidos por pessoas como também que, em muitos casos, há sinais diretos da modificação desses ossos por seres humanos (como corte e queima, digamos).

Para ser mais exato, todos os 20 sítios têm ossos de megafauna (extinta ou atual, o que incluiria, nesse segundo caso, guanacos e veados, por exemplo), e 18 deles têm ossos de megafauna extinta. Dos sítios arqueológicos, 13 têm indícios de modificação direta das carcaças por seres humanos. E as espécies da megafauna são as mais comuns em 15 dos sítios, chegando a 80% dos restos de animais em 13 deles.

Se a análise da equipe estiver correta, portanto, os seres humanos teriam sido o fator central por trás do fim dos gigantes. Resta saber, é claro, se novos estudos em outros países da América do Sul vão confirmar esse padrão.