SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar disparou 2,39% nesta sexta-feira (10) e encerrou a semana cotado a R$ 5,503, um patamar que não alcançava desde o último mês de agosto. A sessão foi de forte aversão ao risco por parte dos investidores -na ponta doméstica e na externa.
No Brasil, temores sobre o equilíbrio das contas públicas do país voltaram a rondar as mesas de operação.
Já no exterior, novos embates entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a China romperam com o otimismo dos mercados, que esperavam trégua prolongada na cruzada comercial do presidente norte-americano. Após o fechamento do pregão, o americano anunciou uma tarifa adicional de 100% sobre produtos chineses.
A pressão ao longo do dia levou a moeda à máxima de R$ 5,518 no pico da sessão, um aumento de 14 centavos em relação ao fechamento de quinta-feira (R$ 5,374).
O sentimento contaminou a Bolsa, que, seguindo as demais praças acionárias globais, fechou em queda de 0,72%, a 140.680 pontos.
O novo modelo de crédito imobiliário, antecipado pela Folha de S.Paulo e divulgado pelo governo federal nesta manhã, deu início às inquietações dos operadores no mercado cambial.
As novas regras preveem a liberação total dos depósitos compulsórios da poupança para ampliar o acesso da classe média à casa própria pelo SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo).
A medida deve injetar, de forma imediata, pelo menos R$ 20 bilhões em recursos para a contratação de financiamentos para a compra da casa própria. O desenho ainda aumenta o valor máximo dos imóveis financiados por meio do SFH (Sistema Financeiro de Habitação), que permite o uso do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) para a compra da casa própria. Desde 2018, esse teto é de R$ 1,5 milhão, e agora é de R$ 2,25 milhões.
As mudanças são vistas como uma forma de alavancar a popularidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antes das eleições de 2026. Como divulgado pela pesquisa Genial/Quaest na véspera, o presidente mantém a liderança nas simulações de primeiro e segundo turno para o próximo ano.
“Estamos a 12 meses da eleição, e ainda há muito o que acontecer até lá. Os investidores tendem a reagir positivamente quando há, digamos, notícias que mostram fraqueza do governo atual. O mercado acredita que uma mudança de governo pode levar a uma gestão mais responsável fiscalmente”, diz Leonel Mattos, analista de Inteligência de Mercado da StoneX.
Com as medidas possivelmente colaborando para a popularidade do presidente, o sentimento foi o contrário -e investidores preferiram fugir do risco de investir em ativos brasileiros.
Além da possível reeleição, parte da aversão ao risco também recaiu na percepção de que o novo modelo de crédito pode injetar estímulos para a economia. Na análise de André Galhardo, economista-chefe da consultoria Análise Econômica, uma atividade mais aquecida pode provocar um repique inflacionário e, por consequência, manter a taxa Selic em um patamar elevado por mais tempo.
“Apesar da Selic em 15%, o mercado imobiliário pode manter um ritmo de crescimento da economia num patamar talvez um pouco mais forte do que o precificado anteriormente. Com consequência, as taxas de juros futuras sobem neste momento, talvez até precificando uma taxa Selic alta por um período mais prolongado”, afirma.
Outro fator de risco pesado pelo mercado foi o contexto dos gastos públicos. O novo modelo de crédito segue a esteira da derrubada da MP (medida provisória) dos Impostos no Congresso Nacional, na quarta-feira, medida que o governo considerava importante para sustentar a arrecadação e reduzir despesas obrigatórias em ano eleitoral.
A derrubada da medida deve causar um bloqueio nas despesas de 2025, incluindo emendas parlamentares, e obrigar um ajuste de R$ 35 bilhões no PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026. Para governistas, esse era justamente o objetivo de partidos do centrão e da bancada ruralista: restringir o espaço fiscal de Lula no ano em que ele deve buscar a reeleição.
Ao retirar do horizonte uma fonte de arrecadação para os próximos anos, o Congresso torna mais desafiadora a tarefa do governo de cumprir as metas estabelecidas pelo arcabouço fiscal.
Isso, “somado à percepção de que os gastos públicos continuam aumentando às vésperas das eleições, faz com que o real fique pressionado perante moedas mais seguras”, diz Paula Zogbi, estrategista-chefe da Nomad.
“A questão fiscal saiu da pauta recentemente, e o real estava se fortalecendo apoiado no diferencial de juros [entre Brasil e EUA] e na expectativa de enfraquecimento global do dólar. Mas não dá para ignorar o endividamento brasileiro por muito mais tempo.”
O cenário doméstico estressado se somou ao internacional, com ameaças de Trump à China intensificando o movimento de alta da divisa norte-americana. Pela manhã, o presidente dos EUA afirmou que não há motivo para se reunir com o líder chinês, Xi Jinping, em três semanas na Coreia do Sul, e que avaliava um “aumento massivo” nas tarifas sobre produtos chineses, o que foi concretizado após o fim da sessão.
As medidas, segundo o republicano, são uma resposta aos planos da China de “impor controles de exportação para todos os tipos de produtos”, em um movimento descrito por Trump como “obviamente um plano elaborado há muitos anos”.
“Estamos vendo um movimento de aversão ao risco generalizado na economia global. Com a China voltando a figurar no foco de Trump, vemos um movimento de desvalorização de commodities, afetando as moedas mais sensíveis à exportação desses itens”, diz André Valério, economista-chefe do Inter.
O sentimento também afetou as ações de Wall Street. O índice S&P 500, composto por ações de grandes empresas, caiu 2,48%, enquanto Nasdaq e Dow Jones despencaram 3,56% e 1,9%, respectivamente.
O exterior ainda teve o fim da guerra entre Israel e Hamas de pano de fundo. O cessar-fogo do conflito derrubou os preços do petróleo no mercado internacional, fortalecendo o dólar ante moedas de países de forte exportação da commodity, como o Brasil.
O barril do Brent, referência global de preços, caiu 3,88%, cotado a US$ 62,69 na Bolsa de Londres.
“Essa queda também reforça a pressão sobre moedas de países considerados menos seguros”, diz Cristiane Quartaroli, economista-chefe do Ouribank.