SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A exatos 30 dias do início da COP30, a quantidade de delegações com hospedagem garantida em Belém é insuficiente para validar as decisões da primeira conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas a ser realizada no Brasil.
O governo federal afirma que 87 países têm reservas na cidade. O número, divulgado desde a última terça-feira (7), é o mesmo que havia sido informado em 24 de setembro. Não houve registro de novas confirmações nas últimas duas semanas.
Outras 90 nações estão em processo de negociação por hospedagem e ainda não têm um lugar definido na capital do Pará, segundo as estimativas da Casa Civil.
A convenção do clima da ONU, conhecida como UNFCCC, é formada por 198 partes (197 Estados mais a União Europeia) e exige a presença de ao menos dois terços dos membros, ou 132 delegações, para legitimar qualquer decisão nas cúpulas. Assim, o total atual de países confirmados em Belém está abaixo do mínimo necessário.
A Secretaria Extraordinária para a COP30 (Secop), vinculada à Casa Civil, afirma que está em diálogo permanente com os países para assegurar que todos participem da conferência com condições adequadas e custos compatíveis.
O governo brasileiro criou em 18 de agosto uma força-tarefa para contatar individualmente as delegações e orientar a reserva de hospedagens, após o tema se transformar em uma crise internacional devido aos preços abusivos de hotéis.
Por questões diplomáticas, o governo disse que não é possível divulgar quais países compõem cada lista.
O número de nações em busca de hospedagem passou de 33, em 29 de agosto,,, para 90 no início de outubro. Apenas 8 novas confirmações foram registradas desde 17 de setembro.
Ao considerar o total de 197 membros da UNFCCC e excluir o bloco da União Europeia, já que o governo contabiliza em países, 20 não informaram sua condição de hospedagem. Logo após o início da força-tarefa, esse número era cinco vezes maior.
A linha do tempo também indica que o aumento do subsídio da ONU a um grupo de 144 países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares teve pouco efeito sobre o panorama da hospedagem.
O auxílio para custeio de diárias em Belém passou de US$ 144 (cerca de R$ 784) para US$ 197 (R$ 1.057) em 17 de setembro. Desde então, menos de 90 nações estão confirmadas.
As últimas três cúpulas, de 2024 a 2022, tiveram adesão quase total. A COP29, sediada no Azerbaijão, registrou a participação de 193 partes. Em 2023, 196 nações estiveram na COP28, em Dubai. E a COP27, no Egito, contou com 195 países.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, diz que a situação atual é inédita na história das COPs. “A prova maior disso é que foi preciso montar uma força-tarefa a dois meses da conferência para ligar para os países e fazer arranjos para eles participarem, porque não conseguiram resolver um problema que estava embaixo do nariz há pelo menos um ano e meio”, diz.
“A Casa Civil negligenciou de uma forma lamentável o tamanho do desafio que significava ter uma COP no Brasil, deram um show de incompetência na questão de acomodação”, afirma também.
O governo brasileiro diz que estruturou a oferta de 2.500 quartos individuais disponibilizados exclusivamente para as partes da UNFCCC e declara estar empenhado em criar condições acessíveis de hospedagem para que nenhum país deixe de participar por questões logísticas ou financeiras.
“Estar ainda discutindo isso na véspera da COP é uma agonia desnecessária. Não poderia ser um fator de debate da conferência se tem ou não um número de países suficientes para a deliberação”, afirma Astrini, que enxerga a possibilidade de impactos à negociação com a possível diminuição do número de delegados por país.
Segundo ele, o efeito dependerá da dimensão da redução e caso as nações deixem de acompanhar certas agendas por falta de pessoal. “Se isso acontecer, as delegações podem reclamar de determinadas decisões de que não participaram, podem questionar o encaminhamento dado a um assunto sobre o qual gostariam de falar e não puderam.”
Para Sara Ribeiro, gerente especial para a COP30 da ONG Instituto Internacional Arayara, a sociedade civil mundial “está muito preocupada com a questão de que muitas delegações ainda não conseguiram hospedagem”.
“É de vital importância que haja representatividade de todas as partes nas negociações, além de mais escuta ativa quanto aos territórios que já estão em sofrimento devido às consequências da crise climática”, avalia.
Astrini diz lamentar que a hospedagem tenha permeado o debate sobre a COP30, especialmente em um momento delicado para o multilateralismo, com guerras, sanções tarifárias e o recuo dos Estados Unidos na agenda climática.
“Não precisava jogar nesse caldeirão de problemas uma questão absolutamente evitável. Isso, inclusive, ajuda os países que não querem ver a coisa andar. Tem muito país que vai para a conferência de clima para bloquear os assuntos e não deixar com que as agendas evoluam bem. Para eles, a confusão de acomodação foi um presente.”
Quanto à participação social na COP30, Astrini opina que a edição deve ser mais inclusiva que as anteriores apesar da crise de hospedagem. “A sociedade civil sofreu muito com a desorganização de acomodações. A inclusividade que vai ter, com todo esse colorido, certamente poderia ser muito maior.”