SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A defesa do ex-ministro José Dirceu à prisão domiciliar de Jair Bolsonaro (PL) dividiu opiniões no PT e motivou críticas públicas, elogios em grupos e constrangimento velado entre integrantes do partido.
Em entrevista à BBC Brasil publicada na segunda-feira (6), Dirceu declarou que o ex-presidente, condenado a 27 anos de prisão em regime fechado pela atuação na trama golpista, “não tem condições de ir para a prisão”. Bolsonaro cumpre prisão domiciliar desde o dia 4 de agosto.
“Eu nunca tive relação com Bolsonaro, mas me parece que ele é uma pessoa psicossomática, que vai acelerando, muito instável. Não é uma pessoa que tem autocontrole”, disse. “Eu não desejo mal a ninguém, nem a ele. Nessas condições, ele sobrevive porque vai ficar em regime domiciliar, com família, com tratamento médico. A família é muito importante. Mas ele não tem condições de ir para a prisão.”
Dirceu já foi preso cinco vezes: pela ditadura militar, pelo mensalão e em três ocasiões pela Lava Jato. Ele afirmou que não se pode colocar um ex-presidente no sistema penitenciário e que, mesmo no caso do presidente Lula (PT), houve a possibilidade de cumprir a pena em regime fechado na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, e não em um presídio comum.
“Acho muito improvável que se possa colocar presos vulneráveis no sistema penitenciário que é controlado pelo crime organizado. As condições são péssimas. E como o estado de saúde dele [Bolsonaro] está se agravando, porque parece que isso é real, eu não vejo como é que ele pode entrar no sistema penitenciário.”
Petistas ouvidos pela Folha criticaram, sob reserva, a defesa de Dirceu à prisão domiciliar no caso de Bolsonaro e disseram que ela gerou um constrangimento interno, já que o próprio líder do PT na Câmara, o deputado Lindbergh Farias (RJ), alegou risco de fuga para pedir pela prisão preventiva do ex-presidente antes do julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal).
Um dirigente do partido classificou a declaração de Dirceu como uma derrapada grande e disse que parte dos filiados não quer fazer críticas públicas por se tratar de um quadro respeitado no PT.
O deputado federal Rogerio Correia (PT-MG), usou a rede social X para criticar a fala. “Se a [Carla] Zambelli aguenta presídio superlotado na Itália, porque Bolsonaro com histórico de atleta e imbrochável, não aguentaria um presídio no Brasil, com tantas leis de direitos humanos aprovadas pelos esquerdistas?”, escreveu ele na quarta (8).
Procurado pela reportagem, Correia disse que cabe às autoridades definir se Bolsonaro terá condições, ou não, de cumprir pena em regime fechado.
“Quem tem que avaliar isso é o sistema penal e o serviço médico oficial. É muito grave o crime de tentar acabar com o direito de voto do povo e de atentar contra as liberdades políticas”, afirmou o parlamentar.
Ele acrescentou que fez questão de publicar a postagem em redes sociais para mostrar que se trata de uma opinião do próprio Dirceu, e não de um posicionamento oficial do partido.
“Eu sou amigo do José Dirceu e me dou ao direito de não concordar com tudo o que ele fala”, acrescentou.
Em grupos de WhatsApp, por outro lado, alguns filiados elogiaram a declaração do ex-ministro da Casa Civil do primeiro mandato de Lula.
Em troca de mensagens à qual a Folha de S.Paulo teve acesso, um deles disse que Justiça não é vingança, mas humanidade, e outro petista chamou a fala de Dirceu de manifestação de generosidade.
Vice-presidente do PT, o prefeito de Maricá, Washington Quaquá, disse à reportagem que, embora seja “importante pacificar o país”, ele acredita que Bolsonaro deveria cumprir prisão em regime fechado por ao menos um ano. “O Lula não ficou?”, perguntou.
“Bolsonaro tem que ficar em cana até o fim das eleições. Até porque, ele está condenado por, entre outras coisas, atacar a democracia”, disse por meio de mensagem.
Questionado se discordava da fala de Dirceu, Quaquá negou. “Não é discordar, tenho opinião diferente”, disse. “É uma divergência de tempo [de pena]”, acrescentou.