PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Na parede do escritório de Deirdre McCloskey há um retrato de Karl Marx. Não, a economista liberal americana não virou marxista, embora conte que na juventude chegou a achar que era.

O retrato é uma charge da revista conservadora National Review, em que o filósofo alemão aparece de MP3, fone de ouvido, copo Starbucks na mão e uma camiseta com os dizeres: “Still Wrong” (“ainda errado”).

“Eu digo a meus amigos conservadores: Marx era um ótimo pensador e acadêmico, e eles se irritam comigo. Viro para meus amigos progressistas e digo: mas Marx errou em quase tudo, e eles se irritam comigo. É por isso que não tenho amigos”, disse à reportagem, por videoconferência, de Washington.

Em “Por que o Liberalismo Funciona”, livro que está sendo lançado no Brasil, ela expõe essa e outras ideias provocadoras, que a fazem ocupar um lugar à parte no pensamento econômico liberal.

Com estilo espirituoso, a professora do think tank Cato Institute e colunista da Folha de S.Paulo defende o que considera o verdadeiro liberalismo, mais próximo dos ideais libertários dos revolucionários americanos de 1776 e franceses de 1789 do que do “novo liberalismo” e do socialismo estatizantes surgidos em meados do século 19.

O liberalismo original, para ela, hoje sofre ataques de todos os lados, da esquerda radical à direita trumpista. “Não vou usar aquela palavra com F, mas Trump é extremamente perigoso. Não é um pensador profundo, para dizer o mínimo, mas tem em volta pensadores profundos que querem um governo autoritário.”

De maneira análoga à sua crítica de Marx, ela elogia a dedicação do badalado economista de esquerda Thomas Piketty, mas detona as propostas do francês para reduzir as desigualdades. Até aponta o que vê como erros primários de teoria econômica que Piketty teria cometido em seus livros.

“A energia do cara é incrível. Mas ele não entende as curvas de oferta e demanda. É típico dos economistas franceses, treinados em matemática de alto nível, mas que às vezes não entendem conceitos básicos.”

McCloskey também é cética em relação à ideia econômica mais debatida na mídia atualmente: um imposto de 2% sobre o patrimônio dos mais ricos. A proposta é de outro economista francês, Gabriel Zucman, discípulo de Piketty. Em entrevista à Folha, Zucman defendeu que sua taxa seja adotada não só pela França, mas pelo Brasil.

“Boa sorte com isso”, ironiza McCloskey, para quem a tributação não daria o resultado esperado. “Os ultrarricos podem subir em seus iates e se mudar. A maioria dos muito ricos da Suécia mora na Suíça.”

Em todo caso, o problema principal não está aí, segundo ela. “O caminho para a classe trabalhadora prosperar não é pegar um monte de dinheiro dos ricos e dar para os pobres.”

Como “liberal moderna”, McCloskey diz acreditar que, antes de resolver a desigualdade econômica, é preciso resolver a desigualdade de oportunidades. É esse liberalismo moderno, defende, que gera prosperidade.

Em outro postulado provocador do livro, ela cita a China comunista como evidência “do que o liberalismo econômico pode fazer”, mesmo admitindo que aquele é um “país iliberal”. “O que eles fizeram foi adotar um pedacinho de capitalismo. E assim como deu certo ainda mais em Singapura, deu certo na China. E agora está dando certo na Índia.”

Nessa comparação, o livro deixa o Brasil em posição desfavorável. Mas McCloskey rejeita atribuir o atraso brasileiro apenas ao peso do passado colonial e da desigualdade racial.

“Faz muito tempo que o Brasil foi colônia de Portugal. Faz muito tempo que a Índia foi colônia britânica. Uma hora, você precisa começar a assumir a responsabilidade. Os países que fizeram isso se saíram bem. Um exemplo espetacular na África é Botsuana, que vai bem, e fica ao lado do Zimbábue, que é uma catástrofe.”

A professora cita versos de “Um Homem É um Homem”, de Robert Burns, poeta escocês do século 18: “O homem honesto, por mais pobre que seja/ é o rei dos homens”.

“O argumento dele é o respeito de si”, interpreta ela. “Você nem sempre terá sucesso na vida. Mas é preciso ter respeito de si e não sentir inveja do rico. E seguir em frente com seu trabalho.”

A dignidade conferida pela liberdade é, segundo ela, o fundamento do verdadeiro liberalismo. É uma liberdade individual da qual ela mesma é exemplo, tendo feito a transição de gênero aos 53 anos, em 1995, quando já tinha consagração no campo da economia.

No livro, ela critica tanto progressistas quanto conservadores pela postura em relação aos direitos da comunidade LGBTQIA+. Para ela, é o verdadeiro liberalismo que propicia as melhores condições para o indivíduo assumir sua própria identidade, inclusive a de gênero.

É isto que Deirdre McCloskey faz do início ao fim do livro: uma defesa radical da liberdade humana.

POR QUE O LIBERALISMO FUNCIONA

– Preço R$ 129,90 (504 págs.); R$ 49,90 (ebook)

– Autoria Deirdre McCloskey

– Editora Record

– Tradução Catharina Pinheiro