SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ponto da reforma do Imposto de Renda que tem gerado preocupação entre tributaristas é a regra que busca afastar, da cobrança adicional mínima sobre pessoas de alta renda, os lucros e dividendos gerados até dezembro de 2025.
O projeto aprovado na Câmara nesta semana diz que valores apurados até este ano estão isentos, desde que a distribuição do lucro tenha sido aprovada até 31 de dezembro e que o pagamento ocorra até 2028, respeitando as regras previstas no ato de aprovação.
“A questão é que só se sabe se há lucros em 2025 após fechar o balanço. Vai ser uma correria, porque as empresas precisarão aprovar a distribuição de lucros apurados em 31/12 até o dia 31/12”, afirma a tributarista Lívia Germano, sócia do Barros Pimentel.
Outra questão é o quão específico deve ser o ato de aprovação. Por exemplo, se é possível aprovar a distribuição de todo o lucro apurado em 2025, sem saber o valor exato. Segundo a advogada, se o ato de aprovação for genérico, há o risco de a Receita Federal entender que a distribuição não seguiu os termos da lei.
Silvia Hachiya, sócia especialista em societário do mesmo escritório, afirma que as empresas devem ficar atentas a problemas que podem surgir por causa da falta de comunicação entre o projeto do IR e a legislação societária.
A Lei das SAs, por exemplo, diz que a assembleia pode determinar a data de pagamento dos dividendos, mas que ela deve ocorrer dentro do mesmo exercício.
Também é necessário verificar se o estatuto social da empresa permite a apuração do lucro e divulgação de balancete em períodos mensais, por exemplo, ou então alterá-lo para que seja possível fazer isso neste ano, mesmo que excepcionalmente.
Além disso, o balanço final deve garantir que o dividendo pago antecipadamente tem respaldo nesse resultado. Se o lucro for menor, o valor distribuído teria de ser devolvido, com os administradores respondendo solidariamente pela devolução.
“Nas limitadas, que são a maioria das empresas, o contrato social tem de prever a possibilidade de dividendos antecipados e também de os sócios deliberarem sobre o prazo de pagamento”, afirma Hachiya.
Também não está claro se a empresa terá de reter na fonte em 2026 o dividendo de anos anteriores que se encaixa na regra de isenção. Por isso, muitas empresas poderão buscar medidas judiciais para não ter de recolher esses valores, segundo as advogadas.
Henrique de Palma, sócio da área tributária do Cescon Barrieu, afirma que há dúvida também sobre a aplicação dessa regra para investidores estrangeiros, pois não há citação dessa não tributação no artigo que trata de não residentes.
Para ele, devem ser aplicadas as mesmas regras, mas existe a possibilidade de uma interpretação que penalize o investidor estrangeiro. “[O texto do projeto] não é claro, mas há argumentos para não se tributar esses dividendos, não só pela redação como pelo princípio da não discriminação.”
HERANÇAS
Hermano Barbosa, sócio de Direito Tributário do BMA Advogados, levanta outra questão: algumas doações podem ser alcançadas pela tributação mínima de até 10%, gerando o risco de dupla tributação, pelo imposto de renda federal e pelo ITCMD, imposto estadual sobre transmissão de bens.
A proposta diz que ficam livres da incidência do novo imposto apenas as doações em antecipação da herança legítima, que é o percentual do patrimônio obrigatoriamente destinado aos herdeiros necessários, como filhos.
Outras doações, ainda que dentro de uma mesma família, estariam sujeitas ao imposto adicional, caso ultrapassem os limites mínimos previstos na lei. Isso inclui, portanto, a transmissão dos recursos referentes à chamada “parte disponível” do patrimônio, que pode ser dividida de acordo com a vontade do doador.
“Esse aspecto do novo projeto de lei é inconstitucional, na medida em que viola a competência própria dos estados para tributar transferências gratuitas na modalidade de doação. Como mencionado, doações relativas à parcela disponível do patrimônio da pessoa passariam a estar sujeitas não apenas ao ITCMD, mas também agora ao imposto de renda.”
O sócio do BMA cita também a tributação dos dividendos pagos a estrangeiros. Segundo ele, os principais investidores no país não poderão tomar o crédito do novo imposto sobre os recursos recebidos pela matriz no exterior. Isso acontece, por exemplo, com investidores dos Estados Unidos e europeus. Ele afirma que essa tributação não é propriamente inconstitucional, porém produz impacto econômico negativo.
“Espero que esses dois temas sejam discutidos com a necessária atenção quando as deliberações sobre o projeto chegarem ao Senado, que é o próximo passo.”
JUSTIÇA FISCAL
Marco Antônio Ruzene, sócio do Ruzene Sociedade de Advogados, diz que a proposta representa um avanço ao beneficiar um número significativo de contribuintes, especialmente com a manutenção da isenção sobre lucros e dividendos até R$ 50 mil mensais.
Para ele, a discussão sobre dividendos, embora relevante, mereceria ser tratada de forma mais abrangente, como aconteceu na reforma tributária.
“O caminho deveria ser o mesmo: propor uma emenda constitucional e realizar uma reforma realmente duradoura e impactante.” Para ele, apenas uma mudança estrutural poderá garantir maior justiça fiscal e sustentabilidade ao sistema tributário brasileiro.