BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em um incidente de dar nó na cabeça de qualquer um que acompanhou o noticiário dos anos 2000, o Paquistão atacou o Afeganistão do Talibã sob a alegação de que a filial paquistanesa do grupo fundamentalista está usando o território controlado para lançar ataques terroristas contra Islamabad.
O Exército do Paquistão disse nesta sexta-feira (10) que “não vai admitir que o Afeganistão vire base de ataques”. Foi uma reação a um entrechoque de fronteira ocorrido na terça (7), quando os paquistaneses mataram 30 insurgentes após um ataque deixar 11 militares mortos.
Houve bombardeio de uma cidade na fronteira. Aviões também violaram o espaço aéreo sobre a capital afegã, Cabul. Houve, disse o porta-voz talibã Zabiullah Mujahid, explosões de origem desconhecida na cidade, mas ele não disse se foram resultado de ataques aéreos. Ele negou apoiar o TTP, sigla pashtun para Movimento Taleban do Paquistão.
Parece confuso, e é. Afinal, o Talibã foi criado nos anos 1990 pelo serviço secreto do Paquistão para instalar um governo no Afeganistão, que vivia uma guerra civil. O objetivo era ter um aliado às suas costas em meio à disputa existencial que o país tava com a Índia.
Em 2001, a proteção dada pelos talibãs à rede Al Qaeda, que do Afeganistão organizou os ataques do 11 de Setembro contra os Estados Unidos, as coisas se complicaram. Os EUA entraram em guerra contra o emirado islâmico.
O Paquistão, então aliado de Washington, entrou na linha de frente da chamada Guerra ao Terror, enfrentando meio a contragosto grupos radicais que atuavam em suas fronteiras.
A ambiguidade gerou mais animosidade, e em 2007 o lendário líder tribal pashtun Baitullah Mehsud criou o TTP, jurando fidelidade ao Taleban original, que o renegava. O grupo promoveu inúmeros atentados suicidas, sendo responsabilizado pelo que matou a ex-premiê Benazir Bhutto em 2008.
O conflito com Islamabad cresceu e, em 2009, os militantes chegaram próximos da capital, gerando pânico e uma reação militar mais dura. Mehsud foi morto por um drone americano, mas a linha sucessória permitiu ao grupo existir até hoje, reagrupado do lado afegão da porosa fronteira com o Paquistão.
Quando os talibãs voltaram ao governo, com a retirada americana após 20 anos de ocupação no pós-11/9 em agosto de 2021, os relatos disponíveis indicam que houve uma acomodação entre os radicais. De seu lado, os paquistaneses vêm expulsando afegãos irregulares em seu território.
Uma série de ataques na áreas tribais do lado paquistanês disparou a nova crise, que tem um componente político mais azeitado com a realidade dos anos 2020, quando Islamabad deixou o apoio dos EUA e virou um aliado nuclear da China, rival estratégica da Índia.
Nova Déli está em um movimento aberto de aproximação com Cabul, cujo governo fundamentalista só foi reconhecido até agora pela Rússia, que alimenta boas relações com os indianos. Apesar disso, além dos russos, outros países como China e Turquia têm embaixadas na capital, ainda que sem relações diplomáticas plenas.
Nesta sexta, a chancelaria da Índia afirmou que irá reabrir a embaixada no país dos talibãs, fechada desde que o grupo retomou o poder. É o primeiro passo para o restabelecimento total das relações, o que é visto com extrema desconfiança no Paquistão.
A ideia de ter um aliado da Índia operando na sua fronteira noroeste, cercando estrategicamente o país, é um temor obsessivo em Islamabad e, como dito, motivo inicial do fomento ao Talibã afegão.
Como nada naquela região escapa de teorias conspiratórias, comentaristas indianos veem na inédita animosidade do Paquistão ante sua cria uma reação à ofensiva de charme de Nova Déli, com o TTP fazendo o papel de culpado útil, como é usual para os grupos terroristas que operam nas áreas tribais.
Ainda assim, enfatizando as zonas cinzentas da geopolítica local, China e Índia, que travaram uma breve guerra fronteiriça em maio, estão em um movimento de aproximação pela percepção da falta de confiabilidade do governo de Donald Trump nos EUA.