WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A republicana Marjorie Taylor Greene parecia ser a paladina ideal do trumpismo quando foi eleita deputada pela Geórgia em 2020. Greene defendia Donald Trump em público em uma época em que ele estava em baixa dentro do próprio partido por, entre outras coisas, ter perdido a eleição para Joe Biden e ter fomentado a tomada violenta do Capitólio.

Nos últimos meses, porém, a deputada se tornou uma das vozes mais críticas ao presidente, surpreendendo tanto republicanos quanto democratas. A guinada de Greene é hoje um dos tópicos mais eletrizantes em Washington, discutido em rodas políticas e mesas de bar.

Greene desafia seu partido e seu antigo ídolo em temas centrais à sua gestão. Ela é crítica aos bombardeios israelenses na Faixa de Gaza, por exemplo, que chama de genocídio —uma palavra impronunciável até mesmo entre democratas. Censurou também os ataques dos Estados Unidos contra o Irã e exigiu a publicação do dossiê de Jeffrey Epstein.

A virada de casaca importa bastante porque os republicanos têm hoje uma margem historicamente pequena na Câmara, com apenas 219 deputados em comparação com os 213 democratas. Isso faz com que qualquer votação seja frágil, podendo barrar as medidas propostas pelo partido.

As posturas de Greene têm dado um tilt na cabeça de muitos em Washington. Até pouco tempo atrás, a imprensa a tratava como uma piada. Em especial, porque Greene aderia às teorias da conspiração do grupo online QAnon, que denunciava a suposta existência de uma seita satânica de prostituição infantil coordenada por Hillary Clinton em uma pizzaria.

Os problemas de Greene começaram logo depois da sua eleição. Em 2021, foi removida de comissões parlamentares às quais tinha sido indicada pelo seu partido. Foi punida, em parte, devido a uma série de declarações que vieram à tona —incluindo a sugestão que o atentado de 11 de setembro de 2001 tinha sido uma encenação.

Daí a surpresa em tratá-la, agora, como uma voz moderada dentro do Partido Republicano. Nesta semana, Greene se posicionou mais uma vez contra Trump ao pedir que o governo estenda os subsídios de saúde criados pelo democrata Barack Obama. A ideia de manter a medida de Obama, criticada há anos pelos republicanos, beira o absurdo político.

A manutenção desses subsídios foi um dos temas centrais de disputa no Congresso, levando à paralisação do governo. Greene acabou se aliando aos democratas —e foi criticada em público pela liderança republicana, que disse que a deputada estava mal informada e não deveria nem dar palpite.

Ela tem insistido nesse assunto porque, afirma, quer evitar o aumento no preço dos convênios. Os EUA não têm um sistema de saúde universal como o brasileiro, e famílias se endividam para pagar custos hospitalares. A deputada usa os filhos como exemplo, dizendo que, sem os subsídios de Obama, gastaria muito mais com eles.

O jornalista Robert Draper diz à reportagem que as desavenças de Greene são motivadas em parte pela sensação de que os assessores de Trump o estão mantendo isolado da crescente insatisfação popular. Draper é repórter de política no jornal The New York Times e autor do livro “Weapons of Mass Delusion” (armas de ilusão em massa, em tradução livre), sobre as teorias da conspiração dentro do Partido Republicano.

Há também, no entanto, uma sensação de que Greene foi traída. “Ela foi a apoiadora de Trump mais entusiasmada na Câmara dos Deputados quando muitos no partido queriam se distanciar dele”, diz Draper. “Está claro que ela sente que sua lealdade não foi recompensada.”

Greene cogitava concorrer ao Senado pela Geórgia nas eleições de 2026, mas não recebeu o apoio de Trump e foi convencida a desistir —o que parece explicar sua crescente insatisfação e seus inesperados acenos ao campo democrata.

A situação é delicada para os republicanos. Greene não tem nenhum cargo formal dentro do partido ou no governo, mas ainda assim é tratada com deferência nos corredores do Capitólio. Ninguém pode ignorar seu nome, afirma Draper. Isso abre um perigoso precedente para que outros desafiem Trump em público.

A deputada, que chegou a Washington como alguém que não duraria muito, firmou-se e tem hoje uma base fiel na Geórgia. Foi reeleita em 2024 e, ao que tudo indica, venceria também os próximos pleitos no estado. Seus eleitores, segundo o jornalista do New York Times, são ultraconservadores, brancos e de baixa renda. Em certa medida, são os simpatizantes típicos do trumpismo.

Dito isso, os atritos com Trump e com a liderança republicana devem podar, ao menos por ora, qualquer ambição de ter um cargo mais alto no governo. Greene não pode almejar agora postos que exijam nomeação e apoio do partido. “Ter um embate com Trump vem sendo uma ótima estratégia para um republicano em cargo público deixar de ter um cargo público”, afirma Draper.