BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afrouxou as exigências de ajuste para a adesão de estados ao Propag, programa de socorro que reduz os juros da dívida com a União e pode dar um alívio de caixa bilionário já a partir de 2026, ano eleitoral.

A medida, adotada por meio de decreto assinado pelo presidente, vai facilitar o ingresso de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), virtual rival de Lula na corrida presidencial do ano que vem. Estados do Nordeste também devem se beneficiar da mudança.

São Paulo é o maior devedor do governo federal, com um estoque de R$ 288,6 bilhões (posição de dezembro de 2024). Consequentemente, será o principal beneficiário do programa de socorro, caso faça a adesão.

Simulações feitas pelo próprio Tesouro Nacional no início do ano mostram que o estado poderia deixar de pagar à União de R$ 7,8 bilhões a R$ 13,1 bilhões só em 2026. São recursos que ficarão no caixa do estado e que poderão ser usados para investimentos e outras despesas.

Nos anos seguintes, esse alívio tende a ser ainda maior. No cenário mais benevolente, com juro real zero, o estado deixaria de repassar ao governo federal R$ 412 bilhões até 2047, de acordo com as estimativas preliminares.

Nos últimos dias, Tarcísio entrou na mira dos petistas, que veem digitais do governador paulista na articulação para a derrubada da MP (medida provisória) de aumento de impostos, que garantiria recursos extras ao governo Lula em 2026. Tarcísio negou qualquer atuação, mas o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), chegou a agradecê-lo publicamente pela participação nas negociações.

O decreto que muda as regras do Propag foi publicado na última terça-feira (7). A flexibilização ocorreu no dispositivo que regulamenta uma das principais contrapartidas do programa, a instituição de um teto para o crescimento das despesas dos estados.

Tanto a lei complementar quanto a primeira versão do decreto preveem que Poderes e órgãos dos estados beneficiados “com qualquer tipo de suspensão, postergação ou redução extraordinária de pagamento de dívida com a União” seriam obrigados a adotar o limite de gastos.

Pela redação, isso incluiria não só estados em dificuldades e que estão no RRF (Regime de Recuperação Fiscal), mas também aqueles que renegociaram suas dívidas com base em leis de 1993, 1997 e 2016. Isso alcança 25 das 27 unidades da federação, incluindo São Paulo e estados do Nordeste.

Tal entendimento foi, inclusive, corroborado em decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Em uma ação apresentada pelo estado do Ceará, que questionava a necessidade de adotar o limite de gastos para aderir ao programa, o ministro afirmou que a lei do Propag “não menciona o grau de endividamento ou a vinculação a determinado regime jurídico-fiscal, mas sim a existência de ‘qualquer tipo’ de postergação, suspensão ou redução extraordinária” para exigir a contrapartida em questão.

“Se o estado do Ceará goza de um benefício atualmente vigente da postergação do prazo de pagamento de sua dívida, em juízo preliminar, parece indubitável o seu enquadramento no art. 7º da LC 212/2025 [artigo da lei do Propag que cita o limite de despesas]”, disse Gilmar ao negar os pleitos do estado.

Apesar da incomum vitória da União em batalhas judiciais contra estados envolvendo temas fiscais, o governo federal decidiu flexibilizar a exigência, contrariando a posição de técnicos das áreas econômica e jurídica do Executivo.

A avaliação, segundo uma autoridade do governo, é que a União não conseguiria sustentar tal contrapartida diante do questionamento de outros estados.

Por trás da decisão, porém, também há um cálculo político. Sem a adesão de São Paulo, o FEF (Fundo de Equalização Federativa), criado para contemplar estados menos endividados e que não seriam tão beneficiados pela renegociação, terá pouquíssimos recursos a redistribuir, o que afetaria negativamente os estados do Nordeste, que devem receber as maiores fatias de recursos do fundo.

A lei do Propag exige repasses de 1% a 2% do saldo da dívida do estado que aderir ao programa. Como São Paulo é o maior devedor, seu aporte é o que fará diferença no valor que os demais vão receber. O governo paulista tende a ser responsável por no mínimo um terço dos aportes feitos no fundo, a depender das condições de ingresso de cada um.

Procurada, a Secretaria de Fazenda de São Paulo disse que o estado “analisará este segundo decreto de regulamentação do Propag, avaliando seus impactos e eventuais adequações necessárias para fins decisórios”.

Em meio à costura do decreto de flexibilização, o governo do Ceará inclusive protocolou uma petição pedindo a desistência da ação. A AGU (Advocacia-Geral da União) não se opôs a esse requerimento.

Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou até a publicação deste texto.

O Propag prevê duas mudanças significativas nos encargos da dívida dos estados com a União. A primeira delas é a possibilidade de reduzir os juros reais de 4% para 0% ao ano, mediante entrega de ativos ou compromisso com investimentos em áreas específicas.

A segunda é a simplificação do coeficiente de atualização monetária da dívida, que hoje segue uma fórmula complexa e resulta em uma correção ao redor de 6,5% ao ano, acima da inflação. O texto substitui essa variável pelo IPCA, que deve ficar em 4,83% em 2025, segundo o Boletim Focus, do Banco Central.

Até agora, no entanto, só Goiás conseguiu entrar no programa. Outros estados mantêm interesse na adesão, mas vinham apontando dificuldades devido à indefinição de aspectos técnicos e também políticos. Diante da demora, o Congresso já se articula para prorrogar o prazo de adesão, que se encerra em 31 de dezembro de 2025.

Como mostrou a Folha, a União pode abrir mão de quase R$ 1,3 trilhão de receitas financeiras até 2048 com a renegociação da dívida dos estados aprovada por meio do Propag. Esse é o impacto potencial do texto sancionado por Lula, segundo cálculos do próprio Tesouro.