MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – O Vaticano publicou nesta quinta-feira (9) o primeiro documento de alto nível assinado pelo papa Leão 14. Com o nome de “Dilexi te” (“eu te amei”, em latim), a exortação apostólica, como é chamado esse tipo de texto, é dedicada ao tema do amor aos pobres.
Por ser o primeiro documento importante do papado, além de dar recomendações para os católicos, ele também é considerado como uma indicação das prioridades de Leão 14 para os próximos anos. Primeiro papa americano, Robert Prevost, 70, foi eleito pelos cardeais há cinco meses.
Ao longo de cinco capítulos e 121 artigos, Leão 14 afirma que a atenção aos pobres é parte essencial do caminho da Igreja e que é preciso convidar todos “a entrar nesse rio de luz e vida que provém do reconhecimento de Cristo no rosto dos necessitados e dos sofredores”.
Para os cristãos, diz o papa, os pobres não são uma “categoria sociológica, mas sim a própria carne de Cristo”, e não devem ser considerados somente como um problema social. “Eles são uma questão familiar. Pertencem aos nossos”, diz Leão 14.
“A questão dos pobres remete-nos à essência da nossa fé. A opção preferencial pelos pobres, ou seja, o amor que a Igreja tem por eles é decisivo e pertence à sua constante tradição, impele-a a dirigir-se ao mundo no qual, apesar do progresso técnico-econômico, a pobreza ameaça assumir formas gigantescas”, afirma o papa, citando João Paulo 2º.
“Embora não faltem diversas teorias que tentam justificar o estado atual das coisas ou explicar que a racionalidade econômica nos exige esperar que as forças invisíveis do mercado resolvam tudo, a dignidade de cada pessoa humana deve ser respeitada já agora, não só amanhã”, escreveu o papa.
O texto foi iniciado pelo papa Francisco e concluído por Leão 14, como escreve o próprio pontífice. “Ao receber como herança este projeto, sinto-me feliz ao assumi-lo como meu acrescentando algumas reflexões e ao apresentá-lo no início do meu pontificado, partilhando o desejo do meu amado predecessor de que todos os cristãos possam perceber a forte ligação existente entre o amor de Cristo e o seu chamamento a tornarmo-nos próximos dos pobres.”
A “Dilexi te” faz referência à última encíclica de Francisco, “Dilexit nos” (Ele nos amou). Publicada em outubro de 2024, é dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, com reflexões sobre como instigar os católicos a renovarem a devoção e a fé. O texto contém comentários sobre guerras, crises socioeconômicas e tecnologia.
“É necessário recuperar a importância do coração quando nos assalta a tentação da superficialidade, de viver apressadamente sem saber bem para quê, de nos tornarmos consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado que não se interessa pelo sentido da nossa existência”, afirma o texto.
Na nova exortação, Leão 14 trata da desigualdade social e econômica, aborda a questão de imigrantes, trabalhadores, movimentos populares, mulheres e idosos, critica conceitos como meritocracia e defende ações de caridade e esmolas.
Além de menções a são Francisco de Assis e santo Agostinho, o texto cita fala do cardeal dom Claudio Hummes, arcebispo de São Paulo morto em 2022, e lembra o trabalho da irmã Dulce, que virou santa em 2019.
“Irmã Dulce enfrentou a precariedade com criatividade, os obstáculos com ternura, a carência com fé inabalável. Começou acolhendo doentes num galinheiro, e dali fundou uma das maiores obras sociais do país”, diz o documento. “Atendia milhares de pessoas por dia, sem jamais perder a doçura. Fez-se pobre com os pobres por amor ao sumamente pobre.”
Exortação apostólica é um documento emitido pelo papa com orientações aos católicos, de forma generalizada ou dirigidas a alguns grupos, como o clero ou os mais jovens. Em relação a outros textos papais, a exortação é menos solene do que a encíclica geralmente sobre temas morais ou doutrinários e do que a constituição apostólica, que costuma reunir questões legislativas e administrativas.
Em 12 anos de papado, Francisco publicou quatro encíclicas, como a “Laudato si” (Louvado sejas), em 2015, sobre o cuidado com o meio ambiente, e sete exortações, sendo três delas depois de sínodos de bispos (família, jovens e Amazônia). Seu primeiro documento de alto nível, a encíclica “Lumen fidei” (A luz da fé), saiu três meses após o início do pontificado.
Esta tem sido uma semana marcante para o papado de Leão 14, com anúncios que estavam sendo aguardados e declarações assertivas sobre crises e conflitos internacionais.
Além da primeira exortação apostólica, o Vaticano divulgou que a primeira viagem de Prevost fora da Itália será para a Turquia, em comemoração dos 1.700 anos do Concílio Ecumênico de Niceia, hoje chamada Iznik, e para o Líbano. O giro pelos dois países será de 27 de novembro a 2 de dezembro.
No domingo (5), Leão 14 falou sobre imigração em sua homilia, pedindo acolhimento e solidariedade. Na semana passada, ele já havia criticado o tratamento “desumano” a imigrantes nos Estados Unidos, em uma indireta ao presidente Donald Trump.
Na terça-feira (7), o papa endossou declarações do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, que comentou os dois anos do conflito entre Hamas e Israel. Em entrevista ao jornal do Vaticano, o Osservatore Romano, Parolin criticou a comunidade internacional por estar “impotente” diante da “carnificina em curso” na Faixa de Gaza.
A diplomacia de Israel criticou a fala em nota, dizendo que as palavras poderiam ameaçar os esforços pela paz. Para o papa, o cardeal “expressou muito bem a opinião da Santa Sé”.