SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Prefeitura de São Paulo foi condenada pela Justiça da capital a pagar R$ 24,85 milhões por descumprir decisão judicial que determinava a retomada do atendimento a vítimas de violência sexual que buscam o aborto legal na rede municipal.

Em maio, a Folha de S.Paulo mostrou que a não-reabertura do serviço de aborto no Hospital Vila Nova Cachoeirinha poderia levar à multa milionária.

A decisão da juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública, é desta quarta-feira (8) e atende à ação popular movida pelos parlamentares do PSOL Luciene Cavalcante, deputada federal, Carlos Giannazi, deputado estadual, Celso Giannazi, vereador, que questionaram a interrupção do serviço.

Segundo a juíza, o município descumpriu por 497 dias a ordem judicial de 2023, que determinava o agendamento de todos os procedimentos suspensos e a busca ativa das pacientes, sem limitação de idade gestacional. “O pedido principal se refere ao descumprimento da obrigação de fazer (garantir o serviço de forma contínua e ativa)”.

Com base no que foi apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo, a decisão cita falhas sistemáticas na rede municipal de saúde que impedem a realização do aborto legal.

A juíza apontou um caso em que o Hospital do Campo Limpo negou o procedimento a uma vítima de estupro por causa da idade gestacional. Citou levantamento mostrando que nenhum hospital municipal realiza interrupções acima de 22 semanas em São Paulo —o único hospital que realiza o procedimento no estado é o Hospital da Mulher, de administração estadual.

O descumprimento é evidenciado também por pacientes que tiveram que viajar para ir atrás de atendimento em hospitais federais ou estaduais, diz a decisão.

A juíza caracterizou a conduta do município como grave omissão e “desobediência institucional reiterada”, rejeitando o argumento da Prefeitura de falta de dados, uma vez que é sua própria obrigação legal e constitucional geri-los.

A multa diária de R$ 50 mil foi mantida, totalizando o valor atual, considerado “compatível com a gravidade da conduta omissiva”. O valor será destinado ao FEDCA (Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) para projetos voltados a vítimas de estupro e garantia do acesso ao aborto legal.

Em nota, a Prefeitura afirma que “as decisões técnicas feitas por médicos e profissionais da saúde devem prevalecer sobre questões ideológicas” e informa que o atendimento para aborto legal é realizado em quatro hospitais municipais —Cármino Caricchio, Fernando Mauro Pires da Rocha, Tide Setúbal e Mário Degni. A Procuradoria Geral do Município disse que recorrerá da decisão.

No processo, a Prefeitura alega não ter como comprovar o cumprimento da decisão por “ausência de identificação completa (nome e CPF) das pacientes” e pediu a redução da multa para R$ 500 diários. A juíza rejeitou o argumento, afirmando que usar apenas as iniciais das vítimas é uma forma de proteger a identidade e a privacidade delas, um direito já garantido pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

O serviço de aborto legal para gestações acima de 22 semanas foi suspenso em dezembro de 2023 no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, o único do município para esses casos.

A decisão afetou vítimas de violência sexual, incluindo meninas de 12 e 15 anos que precisaram viajar para outros estados para realizar o procedimento. Uma liminar de janeiro de 2024 determinava a reabertura do serviço ou a indicação de outra unidade, sob multa diária de R$ 50 mil —valor agora consolidado na condenação.