SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Mercado Livre e as três maiores redes farmacêuticas do país -RD Saúde (Raia e Drogasil), DPSP (Drogaria Pacheco e Drogaria São Paulo) e Pague Menos- estão em rota de colisão. O maior marketplace da América Latina, líder de vendas também no Brasil, quer comercializar medicamentos pela internet, mas no Brasil apenas as varejistas farmacêuticas podem vender este tipo de produto.

O marketplace argentino acaba de receber a aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) pela compra da Cuidamos Farma, uma farmácia localizada no Jabaquara, bairro da zona sul de São Paulo, anunciada em 1º de setembro.

No processo, a Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), que reúne as 29 maiores redes nacionais, teria alegado que o Mercado Livre já vende medicamentos pela internet, que o marketplace presta serviços de telemedicina e que a parceria com a Memed -plataforma de prescrição de receitas digitais, antiga dona da Cuidamos- vai muito além do negócio e envolve a entrada no mercado de receitas.

“Tudo isso é suposição e é mentira”, disse nesta quinta-feira (9) Fernando Yunes, vice-presidente sênior do grupo argentino e principal executivo da operação brasileira. Segundo ele, a associação estaria criando boatos para prejudicar o Mercado Livre e proteger o mercado dela. “Não compartilhamos desses valores e queremos esclarecer tudo”, disse o executivo, que convocou uma entrevista coletiva para isso.

A reportagem procurou a Abrafarma, que não se pronunciou até a publicação deste texto.

Yunes garante que o Mercado Livre quer atuar no setor apenas como um marketplace, intermediando a venda de produtos farmacêuticos, sendo parceiro tanto das grandes redes nacionais, quanto das médias e pequenas drogarias. “A visão do Mercado Livre é democratizar o acesso ao comércio e a serviços financeiros na América Latina. No Brasil, o setor farmacêutico é o único onde a gente ainda não atua”, afirmou Yunes, lembrando que o marketplace já vende medicamentos com e sem prescrição no México, Argentina, Chile e Colômbia.

“No Brasil, justamente o nosso maior mercado, não vendemos”, diz. Segundo ele, a regulação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que trata da venda de produtos e serviços farmacêuticos (RDC 44/2009) precisa ser modernizada. “É uma regulação que permite, por exemplo, a compra via fax. Ninguém mais faz isso. Mas a compra via marketplace não é autorizada.”

O artigo 52 da RDC 44/2009 determina, na verdade, que “somente farmácias e drogarias abertas ao público, com farmacêutico responsável presente durante todo o horário de funcionamento, podem realizar a dispensação de medicamentos solicitados por meio remoto, como telefone, fac-símile [fax]

e internet”.

Este foi o motivo para a compra da Cuidamos Farma, a fim de atender à exigência da legislação. Agora o Mercado Livre poderá despachar pedidos a partir de uma farmácia licenciada e não de um centro de distribuição. Por ter um ponto físico, pode inclusive vender medicamentos online com prescrição, como já fazem as grandes redes do setor.

“Hoje estamos em fase de teste dentro do modelo 1P [venda de produtos próprios], para entender como funciona este mercado. Se houver a adequação da regulamentação [para venda de medicamentos pelo marketplace], vamos pensar em outro passo dentro da plataforma”, disse Adriana Cardinale, diretora líder do jurídico de ecommerce do Mercado Livre Brasil.

“Compramos [a Cuidamos Farma] para testar. Essa farmácia vai atender aquela região. Em paralelo, estamos conversando com formadores de política pública para atualizar a regulamentação e permitir que a gente possa operar no modelo marketplace”, afirmou Yunes.

A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) informou que o projeto de lei 2.158/2023, que permite que o varejo alimentar venda medicamentos, foi aprovado na CAS (Comissão de Assuntos Sociais) do Senado e agora retorna para a Câmara dos Deputados. O projeto prevê farmácias completas dentro dos supermercados, que só poderão funcionar se houver um farmacêutico responsável durante todo o horário de atendimento.

No centro da disputa, um negócio de R$ 20 bilhões -esta é a estimativa da venda on-line anual das três maiores redes de farmácias, segundo o executivo. O valor equivale a 10% da venda anual do setor, da ordem de R$ 200 bilhões.

“Podemos proporcionar um ambiente mais aberto, gerando preços mais competitivos, sempre com base de segurança, como o Mercado Livre opera”, diz Yunes. Segundo o executivo, o Mercado Livre já teve conversa com as grandes redes do setor para ser um parceiro nas vendas online, mas as conversas não avançaram.

“Às vezes o cliente da farmácia de uma cidade pequena não encontra o medicamento lá. E como faz? A gente poderia chegar com todo o sortimento de medicamentos a todo o mercado brasileiro. A gente quer ser parceiro das farmácias, não competir com elas”, afirmou.

“A gente já trabalha com grandes grupos varejistas que têm operação própria de venda online, como o Carrefour e o Pão de Açúcar. Uma grande rede, por exemplo, chegava a 60% das cidades do Brasil antes de ser parceira do Mercado Livre. Agora, chega a 99%, um universo de 100 milhões de consumidores, ampliamos o mercado dela. Queremos fazer o mesmo com as grandes redes de farmácias”, diz.

Em relação aos pequenos varejistas farmacêuticos, Yunes diz que o Mercado Livre pode proporcionar uma exposição muito maior, para venda em diferentes regiões do país, não só no próprio bairro. “Ele só precisa pagar uma comissão pela venda”, afirmou. O executivo não revelou, porém, qual seria este percentual.