GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – Os 13 brasileiros participantes da flotilha que tentava levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza pousaram no Aeroporto de Guarulhos pouco depois das 10h desta quinta-feira (9), após serem presos e deportados por Israel ao longo da última semana.
Entre os integrantes da iniciativa, organizada pelo movimento Global Sumud, estavam Thiago Ávila, também detido por Israel na empreitada anterior da organização, a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE), a vereadora Mariana Conti (PSOL), de Campinas, e a presidente do partido no Rio Grande do Sul, Gabrielle Tolotti.
Cerca de 100 militantes de movimentos e partidos políticos de esquerda esperavam os brasileiros no aeroporto. Os ativistas foram recebidos por gritos e abraços dos familiares que o aguardavam, formando uma aglomeração sob cartazes e bandeiras da Palestina.
Em seguida, em uma entrevista coletiva, Ávila celebrou a trégua firmada nesta quarta. “A mobilização popular (…) levou à condição de que, dois anos apos a escalada do genocídio, não tenha bomba caindo sobre o povo de Gaza. Essa é uma vitoria do povo palestino”, afirmou. “O essencial, no entanto, não muda”, continuou o ativista, pedindo novamente o fim do bloqueio de Tel Aviv.
“A paz verdadeira vem com o fim da ocupação de Gaza e a autodeterminação do povo palestino”, afirmou. “Todos os povos que vivem lá tem direito a viver em paz, a usufruir dos mesmos sistemas de leis, a não ser assassinado com armas experimentais e não ter seus filhos amputados sem anestesia.”
O grupo de deportados pediu ainda que o governo brasileiro rompa relações com Israel, ecoando gritos dos militantes, e voltaram a acusar Israel de maus-tratos na prisão, citando privação de sono, restrição de alimento, celas lotadas e negação de medicamentos essenciais, como insulina para diabéticos o que Tel Aviv nega.
Os ativistas foram mantidos na prisão de Ktzi’ot, no deserto do Negev, perto da fronteira com o Egito. Após serem deportados, eles foram transferidos por via terrestre até a Jordânia e embarcaram na última quarta-feira (8) de um voo comercial que saiu da capital jordaniana, Amã, e que fez escala em Doha, no Qatar.
Ao descrever a detenção à reportagem, a deputada federal Luizianne mostrou marcas nos joelhos e afirmou que ela e os outros brasileiros tiveram que ficar em quatro apoios, com a cabeça baixa, durante uma hora após serem levados ao porto de Ashdod, em Israel. “Eu sou ativista de direitos humanos desde que me entendo por gente”, disse, durante a entrevista coletiva. “Essa situação caracteriza tortura, completamente.”
Já Gabrielle, presidente do PSOL no Rio Grande do Sul, disse ter ficado em uma cela com outras 11 mulheres, das quais quatro estavam menstruadas. Segundo a política, os funcionários da prisão deram apenas um absorvente por dia para elas por três dias.
Houve também falas duras contra Israel. Magno Costa, integrante da Executiva nacional da CSP Conlutas e diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP, que estava no barco Sirius da flotilha, afirmou que o Estado judeu “será derrotado”. “Aprenderam com o nazismo o que eles estão fazendo hoje com o povo palestino”, afirmou, sobre a crise humanitária em Gaza.
Israel e parte das entidades judaicas veem antissemitismo em algumas manifestações pró-Palestina, incluindo a da flotilha. Uma das críticas mais comuns se refere ao cântico “Do rio ao mar/Palestina livre já”, comum em atos contra a guerra em Gaza e entoado pelos militantes nesta quinta.
A frase já foi considerada antissemita por implicitamente não reconhecer a existência do Estado de Israel entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo. Manifestantes pró-Palestina, entretanto, negam esse significado e afirmam que a frase é um pedido de liberdade.
A flotilha partiu de Barcelona no dia 31 de agosto com destino a Gaza. Ao longo do trajeto, a iniciativa passou por portos como o de Túnis, na Tunísia, onde outras embarcações se juntaram à flotilha.
Ao todo, 44 barcos navegaram pelo mar Mediterrâneo com mais de 460 integrantes de mais de 40 países, além de ajuda como água, medicamentos e fórmula infantil o território palestino passa por uma grave crise humanitária devido ao bloqueio de Israel. De acordo com a Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), 641 mil dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza podem estar no cenário de fome mais grave dentre os listados pela iniciativa.
Na quarta-feira passada (1º), a tripulação de alguns dos cerca de 40 barcos que compõem a flotilha foi interceptada por Israel, que prendeu os ativistas, incluindo a sueca Greta Thunberg, um dos principais nomes da iniciativa.
A deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP) também estava no aeroporto aguardando os ativistas. A parlamentar disse ter decidido ir ao terminal devido às denúncias de maus-tratos e pelas ameaças ao mandato de Mariana Conti após sessão conturbada nesta quarta (8), a Câmara Municipal de Campinas decidiu adiar a votação para abrir uma comissão e apurar a ação da política.
“A Mariana é uma militante. Ela milita no PSOL até antes de mim”, afirmou Sâmia sobre as críticas. “Eles cumpriram com uma missão humanitária que é um dos símbolos das lutas da nossa geração.”
Jihad Kadri, filho de Mohamad El Kadri, médico e coordenador do Fórum Latino Palestino, também esperava o pai envolto em um keffiyeh, lenço que é símbolo da causa palestina. “Ele já tentou entregar ajuda humanitária em Gaza duas vezes, e foi barrado em ambas”, diz Jihad, ao contar ter tentado dissuadir o pai da última empreitada. “Ele foi irredutível, é a causa da vida dele.”