SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Azulejos, abajures, mesas e cadeiras. É difícil diferenciar as colagens dos objetos pintados. Sem falar nos seres vivos que não pertencem a uma sala de estar. Uma borboleta pousa em um lustre. Um caracol escala um móvel de madeira. Cogumelos crescem na parede e formas abstratas invadem o espaço. Entre contornos pontiagudos e moldes saídos de um editor de imagens, é possível achar pernas, olhos, orelhas e outros membros.

A obra resume o trabalho de Ad Minoliti, artista argentina que divide a exposição “mmm” com a conterrânea Mariela Scafati e o brasileiro Marco Paulo Rolla. Em cartaz na Verve, em São Paulo, até este sábado (11), a mostra reúne quadros, esculturas e vídeos ao questionar espaços domésticos e padrões que dominam os corpos.

Escrito por Marina Schiesari, curadora da galeria, o texto crítico justifica o título como referência a uma fala interrompida, uma vibração que ressoa diante de dúvidas.

“Se pensarmos na arte feminina, há um corpo específico sendo delimitado por suas teorias. Elas são importantes, mas penso que a abstração geométrica pode reivindicar suas próprias formas. As figuras geométricas são a melhor maneira de representar corpos queer”, diz Minoliti, que é uma pessoa não binária. Este ano, suas realizações também estiveram na Pinacoteca e na feira ArPa, no Pacaembu.

Na exposição, as abstrações da sala de estar surgem em outras obras de Minoliti. Numa delas, dividida em duas partes, cores vibrantes se dissolvem pela moldura. Seja nas pétalas de uma flor, seja em formatos que lembram asas e antenas de insetos, os tons miram a psicodelia. O conjunto parece derreter.

Na outra metade, quadrados, triângulos e esferas se unem em algo só. É um sistema próximo do mural que toma uma parede inteira. Da cromática saturada, comum a uma ilustração infantil, às intermitências entre os desenhos —a tinta branca do salão aparece em partes não ocupadas—, não se pode definir onde começa um “Frankenstein geométrico”, como Minoliti os descreve, e o outro acaba.

“É evidente a dissolução das fronteiras entre o geométrico e o orgânico, o humano e o não humano. Não por acaso existem muitos animais na obra de Minoliti. É uma ideia radical de se botar tudo num mesmo ponto, para que apareçam os limites”, diz Ian Duarte, um dos diretores da galeria. Segundo ele, essas desconstruções são comuns à arte latina.

Do centro do site-specific, o rosto de Marco Paulo Rolla é exibido num monitor. Com controle minucioso sobre os músculos faciais, o artista muda de expressão aos poucos e se mantém em movimento. É um corpo que representa identidades historicamente à deriva, sob transformação na busca por seu lugar.

Prova disso são ainda as fotografias que registram outros feitos do multiartista. Ao fixar um colchão em uma parede, ele usa uma série de suportes para escalar até a superfície de descanso. “Confortável” é uma videoperformance que subverte o significado do título ao propor uma coreografia de esforço físico intenso e tirar um objeto doméstico de seu eixo e função tradicionais.

O mesmo acontece numa imagem do seu “Café da Manhã”, onde utensílios e alimentos de uma mesa caem no chão após uma inesperada cambalhota. “São artistas que falam sobre esses terremotos que existem entre as pessoas. Eles exploram esses lugares aparentemente seguros, mas que estão sempre na iminência de se romper”, afirma Duarte.

Junto aos desenhos e pinturas de Minoliti e às fotografias e vídeos de Paulo Rolla, duas esculturas de Mariela Scafati trazem tridimensionalidade à mostra. Uma delas elimina o propósito de uma cadeira ao suspendê-la no ar. Amordaçada por cordas, ela está presa à tela de uma obra em potencial. Os pés da mobília deixam marcas sobre a moldura, vestígios de sua existência deslocada.

A outra peça é composta por quadros de tamanhos diferentes, articulados um ao outro. Amarrados sobre o chão, a disposição lembra um corpo com partes retraídas, que luta para se soltar. “Quem vê essas figuras imagina algo único”, diz Minoliti. “Elas nos mostram que todos projetam as suas próprias identidades em outro alguém.”

MMM

– Quando Qui. e sex., das 11h às 18h; Sáb., das 12h às 17h; Até 11/10

– Onde Galeria Verve – Edifício Louvre – Av. São Luís, 192, SP

– Preço Grátis

– Autoria Ad Minoliti, Mariela Scafati e Marco Paulo Rolla