SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O debate sobre os ataques do 8/1 e a anistia aos envolvidos na tentativa de golpe liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) impulsionaram a discussão sobre ditadura militar na Câmara dos Deputados.
Um levantamento feito pela reportagem aponta que deputados e convidados falaram sobre a ditadura militar ao menos 250 vezes ao longo de dois anos e cinco meses no plenário da Casa, de acordo com discursos e notas taquigráficas registradas no site da Câmara.
Do total de manifestações, 46% citam explicitamente a anistia ao 8 de Janeiro ou a destruição das sedes dos três Poderes.
O levantamento foi feito a partir da busca pelo termo “ditadura militar” no período de 8 de janeiro de 2023, data dos ataques golpistas em Brasília, a 10 de junho de 2025, dia em que Bolsonaro foi interrogado na ação penal que levou à sua condenação por liderar a trama golpista.
O político foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão no processo julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Ainda cabe recurso.
Das 250 menções encontradas na busca, 114 (46%) tratam da anistia ou do 8 de Janeiro e 136 (54%) não o fazem diretamente, ainda que o tema possa aparecer de maneira não nominal ou explícita nesses casos.
O resultado vem de filtragem feita pela repórtagem. Ele não contempla toda e qualquer menção que poderia vir de outras buscas. De forma isolada, por exemplo, o termo “ditadura” gera quase mil documentos porque contabiliza até menções com pouco contexto.
Bolsonaristas têm insistido na pressão por anistia, mas a articulação do centrão na Câmara dos Deputados buscou adaptar a proposta para uma redução de penas, batizada como PL da Dosimetria.
O dia com mais manifestações sobre ditadura foi o 1º de abril de 2025, efeméride do golpe militar de 1964. A data teve pico de 35 menções. Em segundo lugar, ficou 26 de novembro de 2024, em razão de repercussão do indiciamento de Bolsonaro no processo da trama golpista, ocorrido cinco dias antes.
A terceira data com mais citações é 26 de março de 2025, quando o ex-presidente virou réu no caso.
Quando a análise dos discursos na Câmara recai sobre a maneira como a ditadura militar aparece na fala dos parlamentares, há desde uma visão majoritária que denuncia os horrores do regime até manifestações favoráveis ao golpe de 1964.
No geral, os partidos que mais abordaram o tema foram o PT, com 112 menções do total de 250, e o PSOL, com 59. Em terceiro, vem o PL (21 menções). As três legendas têm, respectivamente, 67, 14 e 88 deputados na Câmara.
A reportagem dividiu todas as menções encontradas em cinco grupos: 1) manifestação contra regimes ditatoriais; 2) a favor ou que justifique uma ditadura; 3) com foco na anistia ao 8 de Janeiro; 4) crítica que relativiza a gravidade de uma ditadura ou compara o período atual de democracia a um cenário ditatorial; 5) comentários neutros ou muito breves para serem categorizados.
A classificação foi feita a partir do teor predominante da mensagem, ainda que o conteúdo pudesse se enquadrar em mais de um caso.
Do total de manifestações, o maior grupo, com 188 menções, fez observações que se destacaram por serem contra regimes ditatoriais. Ele abordou o tema usando expressões como “período traumático” e obscuro, relembrando torturas e mortes, a exemplo de fala de Chico Alencar (PSOL-RJ), no dia 25 de outubro de 2023, sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog.
Aparecem também nos discursos lembrança sobre posicionamento de Bolsonaro a favor de torturadores e homenagens a perseguidos pelo regime de 1964.
Outro destaque é a referência a obras artísticas, do filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, a blocos afro como espaço de resistência. O período também é lembrado para falar sobre a importância de penalizar os envolvidos no mais recente ataque golpista.
Nesse grupo, predominaram PT e PSOL. A classificação sem partido foi dada a convidados que estiveram na Câmara e cuja ligação partidária não foi registrada no site da Casa.
Na análise, cinco discursos, todos de parlamentares do PL, foram classificados como sendo a favor, negando ou justificando a ditadura.
Em um deles, o deputado Zé Trovão (PL-SC) chama o golpe de 1964 de “papo furado”. “É muito fácil a esquerda, que não tem sequer o mínimo de respeito por esta Casa, ficar com esse discursinho mole, esse papinho furado de 64, de ditadura! A ditadura só existiu para vagabundo! A ditadura só existiu para terrorista!”, afirmou em 1º de abril deste ano. O discurso foi feito em contexto de defesa para votação de projeto para anistia.
Outro exemplo vem de Nelson Barbudo (PL-MT), na mesma data, ao dizer que “os militares bateram pouco nessa cambada que passa aqui a me afrontar”. Há ainda outro discurso de Barbudo, um de José Medeiros (PL-MT) e outro do General Girão (PL-RN).
Um terceiro conjunto de parlamentares falou do assunto destacando uma anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Dez menções foram classificadas nessa categoria, sendo 9 do PL e 1 do PSD.
O discurso predominante nesse caso é o a favor de uma anistia, citando o fato de isso já ter ocorrido com pessoas que “sequestraram e mataram”, em referência ao perdão de 1979 dado a pessoas que lutaram contra a ditadura.
Aparecem ainda menções a figuras condenadas pela invasão dos três Poderes, como Débora Rodrigues, que ficou conhecida por ter pichado com batom a estátua A Justiça. Também é comum alusão à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), citada como “criminosa” pertencente a grupo já anistiado.
Um quarto conjunto falou em ditadura comentando o que seria hipocrisia da esquerda ao não criticar regimes autoritários de países alinhados ideologicamente. Ele também mobilizou a ideia de que há atualmente no Brasil uma ditadura do Judiciário ou que a liberdade de expressão está em risco.
Nove discursos foram classificados na categoria, 7 do PL, 1 do Podemos e 1 do Novo. Um deles é do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ele critica a esquerda e fala que o Brasil vive atualmente “coisa de ditadura”.
O discurso sobre uma “ditadura da toga” é frequente entre parlamentares de direita e extrapola as menções identificadas nesta pesquisa, que focou discursos no site da Câmara a partir do termo “ditadura militar”. Sozinho, o termo “ditadura da toga” gera ao menos 75 menções no site no período analisado, a maioria do PL.
Um último grupo, com 38 falas, foi classificado como neutro ou não identificado por se referir de maneira breve ao termo pesquisado.
Do total das 250 menções, os parlamentares que mais falaram foram Erika Kokay (PT-DF), com 21 discursos, seguida de Chico Alencar e Ivan Valente (PSOL-SP), com 18 cada, os três com falas contra regimes antidemocráticos.