SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Metade dos trabalhadores usava transporte individual motorizado automóveis e motocicletas como meio principal para chegar ao local de trabalho no Brasil, mostram dados do Censo Demográfico 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Já o transporte coletivo era usado por 23,3% daqueles que trabalhavam fora de casa três ou mais vezes por semana, enquanto 17,8% chegavam até o serviço principalmente a pé e outros 6,2% usavam bicicleta.
O uso de veículos particulares era sustentado principalmente pelas cidades interioranas, mesmo que carros e motos também sejam responsáveis por parte importante dos deslocamentos nas capitais e outras grande cidades.
A região Sul concentrava o uso do carro, enquanto Nordeste e Norte tinham as maiores proporções do uso de motocicletas no trajeto até o trabalho. No cálculo total do transporte individual motorizado também estão táxis, mototáxis e as modalidades de carona por aplicativo.
Essa é a primeira vez que o Censo Demográfico pesquisa o tipo de transporte usado pela população, no que talvez seja o levantamento mais abrangente do tipo no país. Até o Censo 2010, estimava-se apenas o tempo de deslocamento para trabalho e estudo.
A duração das viagens em cada tipo de transporte pode inclusive explicar, ao menos em parte, a preferência pelo transporte individual. Na média nacional, mais da metade daqueles que usam carro ou moto chegam ao destino em até meia hora.
A relação é inversa para aqueles que usam ônibus, trem ou metrô: a maioria leva mais de meia hora para chegar ao trabalho quando usam modais coletivos na maior parte do seu trajeto. Além disso, os dados deixam clara a falta de oferta de transporte de passageiros sobre trilhos no país.
Apenas 1,6% dos trabalhadores brasileiros considerando apenas aqueles que precisam se deslocar três ou mais vezes por semana usam trem ou metrô para chegar ao serviço. Mesmo na concentração urbana de São Paulo (que reúne 37 dos 39 municípios da região metropolitana oficial), com a maior malha metroferroviária do país, menos de 10% dos trabalhadores entrevistados pelo Censo declaravam usar trem ou metrô como meio principal de seus deslocamentos até o trabalho.
O trem e o metrô concentravam as viagens mais longas, segundo a pesquisa: 90,9% dos passageiros passavam mais de meia hora no trajeto sobre trilhos na capital paulista e nos municípios vizinhos. No Rio de Janeiro, essa proporção era de 82,3%.
Entre aqueles que usam o carro, essa proporção é bem menor: apenas 14% dos trabalhadores em São Paulo, e 24,7% na média nacional, dizem que levam mais de meia hora para chegar ao destino.
Todos os municípios com mais de 50% de uso do automóvel estão nos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Em termos proporcionais, a cidade campeã dos automóveis é Pinto Bandeira (RS), de 2.723 habitantes: 72% dos trabalhadores ali chegam ao trabalho principalmente de carro.
Municípios do Piauí, Rio Grande do Norte, Maranhão e Pará, por outro lado, se destacam no uso cotidiano das motocicletas.
Ao mesmo tempo, a pesquisa mostra um grande contingente de brasileiros que chega ao destino a pé. São 12,4 milhões de pessoas que caminham na maior parte do trajeto até o trabalho Bahia, Alagoas e Pernambuco concentram a população com esse perfil. Um em cada quatro são trabalhadores sem instrução e ensino fundamental incompleto.
O uso de carros e motocicletas nos deslocamentos diários é considerado ruim pela maior parte dos especialistas em mobilidade devido aos efeitos para as cidades: poluição, maior probabilidade de acidentes em comparação com outros modais, e acesso desigual.
As próprias estatísticas do Censo 2022 mostram o desequilíbrio: mais da metade (57%) daqueles que completaram o ensino superior usam automóvel para ir ao trabalho. Entre aqueles sem instrução, a maior parte (25%) vai a pé.
A rotina da gestora de projetos Tainah Brandão, 36, mostra que até os entusiastas do transporte público optam pelo carro, quando podem, ao enfrentar a jornada nas metrópoles brasileiras. Ela mora no Tucuruvi, na zona norte de São Paulo, e trabalha em Jurubatuba, na zona sul uma distância de aproximadamente 23 quilômetros.
Mesmo que sua casa não fique longe de uma estação do metrô e o escritório esteja a poucos metros de uma estação de trem, ela prefere o automóvel para o trajeto, que ela precisa fazer três ou quatro vezes por semana.
Ela alterna viagens de transporte público com o carro do namorado, que no seu caso têm tempos de viagem equivalente, mas confessa que usaria mais o automóvel se fosse possível, já que ele lhe dá a autonomia de parar no meio do trajeto e escolher caminhos alternativas para poupar tempo.
O estresse da direção, por outro lado, já lhe rendeu dores nos ombros e nas pernas nos primeiros meses de trabalho. Desde que ela conseguiu o trabalho em Jurubatuba, em julho, a gerente de projetos também teve de sacrificar o tempo que ela dedicava à academia, para conseguir dormir oito horas e ter o mínimo de tempo livre o casal pensa em se mudar para mais perto do trabalho dela.
“Os dois meios de transporte têm imprevistos. Por exemplo, eu já fiquei parada mais de 15 minutos em uma estação”, conta Tainah. “E toda vez que eu venho de carro, vejo pelo menos um acidente, seja na ida ou na volta. Isso me deixa aflita, o meu maior medo é atropelar algum motoqueiro.”
QUEIMADOS (RJ) TEM PIOR MOBILIDADE PARA O TRABALHO
Os dados do Censo mostram ainda que, entre as cidades com mais de 100 mil habitantes no Brasil, Queimados, no Rio de Janeiro, é a que possuía maior percentual de trabalhadores que demoravam mais de duas horas para chegar ao trabalho em 2022. Na cidade de 140.523 habitantes, 12,5% dos trabalhadores estavam nessa situação.
O Censo indica que 1,3 milhão de pessoas (1,8%) levavam mais de duas horas para chegar ao trabalho no Brasil em 2022. A maior parte deles (56,8%, ou 40 milhões) disse levar de seis minutos a meia hora.
Também no Rio, São Gonçalo é a cidade do Brasil em que mais se usa ônibus para o deslocamento ao trabalho. No município, a 31 km da capital fluminense, 56% dos trabalhadores usam os coletivos.
Em São Gonçalo, 33,1% da população consultada (93.588 pessoas) dizia levar entre 30 minutos e uma hora para se deslocar de casa ao trabalho, em 2022. Outros 31,1% demoravam de seis minutos a 30 minutos (87.698); 26,4% (74.496) demoravam entre uma hora e duas horas no deslocamento; e 4,9% (43.940) demorava mais de duas horas. Na outra ponta, 3,2% demorava até cinco minutos (8.964).
Já sobre duas rodas, Acauã, no Piauí, é a cidade que mais usa motocicletas para deslocamentos rumo ao trabalho. O município localizado a 468 quilômetros de Teresina tem 80,1% de uso de motocicleta para esse tipo de viagens.
O Piauí é o segundo estado com maior uso de motocicletas para deslocamentos no trânsito, com 42% da população, atrás apenas de Rondônia, com taxa de 42,7%. No Brasil, o percentual é de 16,4%.
MAIS POBRES E PRETOS GASTAM MAIS TEMPO NO TRANSPORTE
A população mais pobre, preta e menos escolarizada levava mais tempo para chegar ao trabalho, mostram dados do Censo. A desigualdade se repetia no acesso aos meios de transporte individuais, que na maior parte dos casos garantem tempos de deslocamento mais curtos.
As diferenças entre ricos e pobres estão principalmente nos casos extremos de tempo de deslocamento. Entre aqueles tinham renda domiciliar per capita até meio salário mínimo (R$ 606, em valores de 2022), 7% chegavam ao trabalho em até cinco minutos e 13% levavam mais de uma hora.
Já entre quem tinha renda acima de cinco salários (R$ 6.060 em 2022), 12% chegavam em menos de cinco minutos e 8,8% levavam mais de uma hora.
As diferenças também ficam nítidas nos diferentes segmentos raciais da sociedade, principalmente entre os pretos e as demais. Entre os pretos, 17% levava mais de uma hora para chegar ao trabalho, enquanto entre brancos e amarelos essa proporção é de 10%, e entre pardos, 13%.
Além disso, 8% da população preta leva até 5 minutos para esse tipo de deslocamento, a menor proporção entre todos os segmentos. Uma proporção maior (10%) de pardos e amarelos tem essa comodidade. Entre brancos, ela alcança 11%.