BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O setor de pescado de cultivo no Brasil está encurralado. Alvos do tarifaço de 50% imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, os produtores decidiram acelerar a busca por outros destinos, como a China, para aplacar os efeitos da sobretaxa. Esse movimento, porém, pode acabar por ter um efeito inverso ao que se esperava, afirmam representantes do setor.

Entre julho e agosto, o Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) trocou uma série de informações com a GACC (Administração-Geral de Aduanas da China) sobre os protocolos sanitários necessários para permitir a venda do pescado de cultivo brasileiro de diversas espécies, como tambaqui, pirarucu, surubim, truta, garoupa e mexilhões.

Na ocasião, uma das entidades do setor, a Peixe BR, solicitou que a tilápia brasileira fosse retirada da lista. A leitura foi a de que a exportação da tilápia brasileira poderia abrir espaço para a reciprocidade, ou seja, para que a China também pedisse autorização para vender tilápia ao Brasil. O Mapa acatou o pedido e a tilápia ficou de fora da relação oficial de espécies de interesse brasileiro.

No mês passado, porém, os chineses apresentaram sua proposta de comércio bilateral, pedindo os protocolos sanitários do Brasil para exportar tilápia e camarão ao país. Não há, afinal, nenhum tipo de restrição no acordo bilateral definindo que o intercâmbio tenha que se limitar às mesmas espécies.

Na semana passada, o Brasil enviou suas regras sanitárias para importar o peixe e o camarão chineses. O processo de análise está em andamento pelas autoridades asiáticas. Há possibilidade real, portanto, de o mercado brasileiro, já pressionado pelas tarifas americanas, ser inundado com a produção chinesa de pescados em duas espécies que hoje estão no topo da produção nacional.

A reportagem questionou o Mapa sobre o assunto. Não houve um posicionamento até a publicação deste texto.

À Folha, o presidente da Abipesca (Associação Brasileira das Indústrias de Pescados), Eduardo Lobo, disse que a situação atual colocou o setor numa encruzilhada, com risco de quebrar o produtor nacional.

“Se escancararem o mercado brasileiro, os chineses vão abastecer os supermercados, tomar espaço e a gente vai parar de produzir tilápia. O custo de produção deles é muito menor, porque eles subsidiam tudo. Como vamos competir com isso? Não podemos entregar o mercado brasileiro de bandeja”, disse Lobo.

Segundo Lobo, o setor de pescados estaria sendo “usado como moeda de troca nas negociações comerciais com Estados Unidos e China”, em meio a interesses que envolvem outros setores.

“É uma negociação que acontece à revelia do setor produtivo e industrial. Esperamos que o Mapa tenha bom senso e barre isso, porque quem está conduzindo não entende o impacto real que isso teria aqui dentro”, disse.

Lobo afirmou que vai procurar o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) para pedir que a adoção de medidas para proteger os produtores brasileiros, caso sejam abertos os mercados nacionais de tilápia e camarão, como taxas às importações.

“A gente exporta uns US$ 600 milhões em pescados, por ano, mas importa US$ 1,5 bilhão. Já somos deficitários. Querem abrir ainda mais o mercado?”, questionou.

O setor pesqueiro brasileiro movimenta cerca de R$ 20 bilhões (R$ 110 bilhões) por ano, dos quais aproximadamente US$ 600 milhões (R$ 3,3 bilhões) estão ligados às exportações. Deste total exportado, entre 70% e 80% têm como destino os Estados Unidos, o que torna o país o principal mercado externo do Brasil.

De acordo com a Abipesca, a exportação representa cerca de 15% do mercado nacional de pescado. Entre os produtos mais exportados está, justamente, a tilápia, com vendas mensais de US$ 6 milhões (aproximadamente 500 toneladas por mês). O consumidor brasileiro consome cerca de 75% da tilápia que produz, sendo 25% exportada.

A tilápia é o peixe mais exportado pelo Brasil, com 90% das vendas externas destinadas ao mercado americano. O Brasil é o segundo maior fornecedor de tilápia fresca aos EUA, atrás apenas da Colômbia.

A exportação do pescado nacional atravessa um campo minado. Desde 2017, a União Europeia mantém grande parte de seu mercado fechado ao Brasil, por questões sanitárias ligadas à rastreabilidade do pescado nacional.

Com as portas europeias fechadas e as tarifas americanas corroendo a competitividade, a China surgiu como a principal rota para escoar a produção nacional e reequilibrar o setor. Em agosto, o Mapa enviou pedidos de habilitações para que diversas empresas brasileiras de pescados possam exportar para a Rússia.

“O Brasil está numa sinuca de bico. Não pode vender para a Europa, perdeu os Estados Unidos e agora corre o risco de ser invadido pelos chineses”, disse Lobo. “Estamos colocando em risco uma cadeia que levou 20 anos para ser construída, só para agradar os chineses.”