SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A maioria das praias brasileiras está poluída por microplásticos, mas o risco ecológico causado pela contaminação é mais acentuado em alguns locais. É o que concluiu a maior pesquisa já feita no país sobre a presença dessas partículas no litoral.

Cientistas percorreram 7.500 quilômetros de norte a sul do Brasil e coletaram amostras de areia em 1.024 praias. O estudo abrangeu mais de 90% da costa nacional e cobriu todos os 17 estados banhados pelo oceano Atlântico.

As análises detectaram a presença de microplásticos em 709 praias, ou 69% dos locais mapeados. Em média, a concentração é de 27 partículas por quilograma de areia no litoral brasileiro.

O projeto MicroMar, liderado pelo Instituto Federal Goiano, recebeu financiamento de R$ 1 milhão do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O trabalho envolveu nove expedições científicas e mobilizou cerca de 50 pesquisadores de diversas instituições.

Mais de 4.100 amostras de sedimentos (ao menos 3 por praia) foram coletadas de abril de 2023 a abril de 2024. As análises foram conduzidas no Laboratório de Toxicologia Aplicada ao Meio Ambiente do Instituto.

Os cientistas foram a todos os locais possíveis de chegar com carro e excluíram áreas privadas ou acessíveis apenas por barco, o que explica a lacuna em trechos da costa do Amapá, do Pará e do Maranhão.

“Pesquisas como a nossa ajudam a dar visibilidade científica a um problema que já deixou de ser invisível: os microplásticos são hoje um novo marcador ambiental, e compreender sua distribuição é um passo indispensável para orientar políticas públicas baseadas em evidências”, afirma Guilherme Malafaia, professor do departamento de Ciências Biológicas do IF Goiano e coordenador do trabalho.

Os primeiros resultados, publicados no final de setembro na revista científica Environmental Research, mostram um retrato inédito da contaminação por esses poluentes.

“É louvável o esforço de se fazer um trabalho dessa magnitude para trazer informações sobre um contaminante que afeta o ambiente marinho, especialmente as praias”, diz o pesquisador Alexander Turra, coordenador da cátedra da Unesco para a sustentabilidade dos oceanos, que não participou da elaboração do estudo.

A contagem foi restrita a fragmentos com dimensões de 300 micrômetros a 5 milímetros -maiores que a espessura de dois fios de cabelo e menores que a borracha na ponta de um lápis. Os plásticos mais encontrados foram o polietileno, o polipropileno e o isopor.

A praia com maior concentração de microplásticos do país é Barrancos, em Pontal do Paraná (PR), com 3.483,4 partículas de plástico por quilograma de areia. Na sequência, vem Balneário Grajaú, na mesma cidade paranaense. A terceira posição é ocupada pela orla de Olinda (PE).

O estudo aponta que diversas variáveis interferem na poluição por microplásticos no litoral, incluindo a influência urbana e a proximidade de portos, rodovias e refinarias de petróleo. O formato da praia também é relevante: locais mais “fechados”, com aberturas estreitas para o oceano, parecem menos sujeitos à contaminação por meio de correntes marítimas.

A presença de rios poluídos e canais de esgoto no entorno foi associada a altas concentrações de partículas nas areias de estados como Pará, Maranhão, Piauí, Sergipe, Bahia e Paraná.

Em São Paulo, as estruturas turísticas, como resorts, e a pressão da ocupação humana exercem efeitos significativos sobre a poluição, segundo a pesquisa.

Por outro lado, a presença de estruturas para descarte adequado de resíduos nas orlas coincidiu com menores concentrações de microplásticos. Causou surpresa aos cientistas a ausência de partículas em praias muito frequentadas, como a de Copacabana, no Rio de Janeiro, enquanto outros locais pouco visitados apresentaram grande carga de poluentes, sugerindo uma contaminação à distância.

“O plástico por si só é apenas a ponta do iceberg”, diz o pesquisador Thiarlen Marinho, primeiro autor do estudo. “Existem aditivos químicos altamente tóxicos e perigosos para o meio ambiente. Quando o plástico se quebra ao longo dos anos, esses compostos são liberados.”

Alguns materiais chegam a ser centenas de vezes mais perigosos que outros, graças aos aditivos.

“Para o índice de perigo do polietileno [um dos plásticos mais comuns] se equiparar ao do PVC, é preciso de 909 partículas de polietileno. Ou seja, uma partícula de PVC é equivalente a 909 partículas de polietileno em termos de periculosidade”, afirma Marinho.

A discrepância motivou a criação de um índice no estudo que considera a quantidade de poluentes e o tipo de plástico encontrado no local. A medida (que não tem uma unidade) representa o risco ecológico de contaminação por microplástico em cada um dos pontos analisados.

A praia Paraíso, em Torres (RS), lidera o ranking. Na segunda posição, vem Espigão do Acaraí, em Caucaia (CE), e Monsuaba, em Angra dos Reis (RJ). As regiões Sul e Sudeste concentram altos níveis de risco.

A intenção dos pesquisadores ao listar o grau de perigo aos ecossistemas em cada praia é identificar as áreas prioritárias para ações de controle e fiscalização.

“A poluição por microplástico é multifacetada e o cenário muda conforme o tempo. Nossa preocupação é a análise parar aqui e só ter um outro estudo como esse daqui a 20, 30 anos. Precisamos de um comitê de monitoramento para que o poder público continue investigando”, diz Marinho.

O presidente Lula (PT) sancionou em outubro um decreto que cria a Estratégia Nacional Oceano sem Plástico, que tem o objetivo de prevenir, reduzir e eliminar a poluição por plástico no oceano até 2030. O plano será liderado pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima).

“É urgente fortalecer a fiscalização sobre o descarte de resíduos, criar incentivos à inovação tecnológica para redução do uso de plásticos descartáveis e estimular modelos de economia circular que mantenham os materiais em uso por mais tempo”, afirma Malafaia.