SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Buscando emular o estranho episódio em que Barack Obama ganhou o Nobel da Paz em seu primeiro ano de mandato sem ter feito nada digno de nota, Donald Trump promove uma contraditória campanha informal atrás da láurea, cujo anúncio ocorrerá nesta sexta-feira (10).

Nesta quarta (8), a ofensiva pró-Nobel foi engrossada com o anúncio, pelas redes sociais, de que Israel e Hamas concordaram com a primeira fase de um plano de paz para Gaza, com libertação de reféns pelo grupo terrorista e retirada militar de Tel Aviv.

Como repete sempre, a exemplo do que ocorreu em frente aos mais de 800 oficiais-generais de suas Força Armadas no politizado encontro da semana passada, o presidente dos Estados Unidos jura já ter acabado com “seis, sete guerras” neste seu primeiro ano de volta à Casa Branca.

Ao mesmo tempo, tem demonstrado apetite de militarização de disputas internas no seu país, com o envio polêmico de tropas a cidades governadas por rivais, adotou uma retórica belicista que incluiu a volta do nome Departamento da Guerra para a pasta da Defesa e neste momento cerca a Venezuela com forças inauditas.

No caso do Caribe, editou decreto para classificar cartéis como organizações terroristas, por isso passíveis de bombardeios e afins sem muitas explicações ao Congresso, que está alarmado com a escalada por ora restrita a pequenos barcos supostamente com drogas.

Em relação às suas ações pacifistas, o resultado é, com boa vontade, misto. Os dois principais esforços são para encerrar a guerra na Ucrânia e em Gaza. Se houve aparente avanço no Oriente Médio, na Europa a própria Rússia já disse que seu ímpeto negociador por ora falhou.

Já acerca dos conflitos que diz terminado, como a Folha mostrou em agosto, Trump mistura verdades, mentiras e fantasias.

Começando pelo que é certo, dois acordos de paz foram assinados sob sua supervisão, ambos algo laterais geopoliticamente. O primeiro, em junho na Casa Branca, encerrou a etapa atual da guerra civil na República Democrática do Congo, no caso envolvendo invasores de Ruanda.

O problema é que o grupo rebelde apoiado pelos vizinhos, o M23, não fez parte do arranjo, o que deixa o futuro da conturbada região em aberto.

No mês seguinte, foi a vez de armênios e azeris se acertaram em frente a Trump, chegando a uma acomodação sobre um corredor ligando um encrave de Baku separado do Azerbaijão pelo território vizinho.

No campo das meias verdades, o ataque americano a instalações nucleares do Irã em apoio à campanha aérea de Israel, em si um ato questionável para quem quer ser Nobel da Paz, ajudou a chegar a um cessar-fogo entre o Estado judeu e a teocracia persa.

Mas nem de longe o conflito está encerrado, com riscos diários de retomada de hostilidades. O mesmo pode ser dito sobre a escaramuça mais séria ocorrida entre Tailândia e Cambodja, cuja trégua foi mediada pela Malásia com apoio de Washington.

Já o reino da ilusão total começa em maio, quando os rivais nucleares Índia e Paquistão travaram uma guerra rápida. “Eles vêm lutando por cerca de milhares de anos, mas eu acertei as coisas”, disse Trump, só para ser desmentido pelo premiê Narendra Modi. A disputa com o vizinho segue.

De forma ainda mais fantasiosa, o americano disse ter solucionado a disputa em torno da maior hidrelétrica da África, que opõe a construtora Etiópia e o Egito, que sustenta que perderá água do rio Nilo. Trump ficou do lado do Cairo, mas nada mudou até aqui.

Da mesma forma, em junho o americano afirmou ter evitado uma guerra iminente entre a Sérvia e Kosovo, a antiga província iugoslava de maioria albanesa que o Ocidente extirpou do país em 1999. Ninguém sabe do que ele estava falando, e as refregas fronteiriças seguem como norma.