BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) já admite derrota na votação da MP (medida provisória) de aumento de impostos no Congresso e adota o discurso de que a derrubada da proposta pelos parlamentares vai levar a corte de gastos e de programas sociais, na tentativa de ganhar a opinião pública apesar do revés no Legislativo.

A ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) argumentou que a medida traz justiça tributária -o governo tem usado o mote ricos versus pobres para mobilizar sua base nas redes, o que serviu para pressionar pelo aumento da isenção do Imposto de Renda, aprovado na Câmara na semana passada.

Numa sinalização de que não terá votos a favor da MP, o governo resolveu retomar o texto original da medida, que havia sido desidratado em troca de um acordo por maioria.

“Não faz sentido, depois de romperem o acordo, nós mantermos o texto do acordo. Até o último momento vamos lutar, mas de fato armaram uma armadilha contra o governo”, disse o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ).

A avaliação no Palácio do Planalto é a de que a disputa não está mais em torno de possíveis mudanças no texto para angariar votos de setores contrários. Para líderes governistas, o embate no plenário é uma antecipação da corrida eleitoral de 2026, com partidos do centrão e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) operando para que Lula perca uma importante medida de arrecadação no ano eleitoral.

A coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, já havia informado pela manhã que lideranças de partidos alinhados ao governo calculavam que ainda faltavam cerca de 50 votos para garantir uma vitória na Câmara. Um ministro afirmou à coluna que, pela primeira vez, começava a achar que o governo poderia perder a votação.

Além de Tarcísio, os presidentes do PP, senador Ciro Nogueira (PI), e do União Brasil, Antonio Rueda, são mencionados como artífices da eventual rejeição do texto. Até o momento, PP, União Brasil, PSD e Republicanos definiram voto contra a MP.

Lindbergh chamou a atuação de Tarcísio de “papel nefasto”, enquanto o relator da MP, Carlos Zarattini (PT-SP), disse que o governador vestiu o figurino de candidato. Tarcísio nega que esteja convencendo deputados a votarem contra a medida.

A previsão original do governo com a MP era de arrecadar quase R$ 35 bilhões entre 2026 e 2027, sendo pouco mais de R$ 20 bilhões em 2026, ano eleitoral. Após as mudanças feitas por Zarattini, a nova previsão era de R$ 17 bilhões para o ano que vem.

A MP precisa ser aprovada na Câmara e no Senado ainda nesta quarta-feira (8) para que não perca validade, cenário considerado improvável por opositores e governistas. Nesta terça-feira (7), a MP foi aprovada com apenas um voto de diferença na comissão mista.

A orientação do presidente Lula é a de que o texto seja levado ao plenário para que a oposição seja obrigada a registrar voto contrário, o que seria usado pelo governo para desgastar os detratores e sustentar o discurso de que o Congresso agiu para manter privilégios dos mais ricos.

“Nós vamos fazer a disputa política. Vamos mostrar quem está do lado de quem. Vamos mostrar que eles priorizam o corte de educação e saúde, que prejudica os mais pobres, mas defendem bancos, fintechs, bets”, disse Lindbergh.

Segundo o líder do PT, Lula afirmou que era “pobreza de espírito” misturar o debate da medida provisória à antecipação do calendário eleitoral.

“Há uma vontade de tentar impor uma derrota política ao governo do presidente Lula, mas, na verdade, estão impondo uma derrota ao Brasil, porque estão cortando R$ 35 bilhões. Não é dinheiro novo, como eles falam, não é dinheiro para o governo Lula, isso já estava na peça orçamentária para 2026”, disse Lindbergh.

“Essa medida tributa muito o sistema financeiro, eu diria o andar de cima da sociedade: quem ganha mais. E quem ganha mais tem que contribuir mais para financiar os programas sociais, mas também para fazer justiça tributária”, afirmou Gleisi.

“Sei que tem setores na sociedade brasileira, no Congresso Nacional, se movimentando contra essa medida porque dizem que essa medida pode […] ajudar o presidente Lula. Essas pessoas, na realidade, estão trabalhando contra o Brasil, estão trabalhando contra o povo brasileiro, que precisa de medidas como essa tanto para fazer a justiça tributária como para ter financiamento de programas e políticas públicas importantes”, completou a ministra.

A possível derrubada da MP acontece em meio ao desembarque da federação PP-União Brasil e após o revés que a Câmara sofreu com a PEC da Blindagem, que foi patrocinada pelo centrão e acabou enterrada no plenário.

Ainda na opinião de deputados do PT, a votação da MP é vista como uma espécie de revanche em relação à PEC da Blindagem, já que, na época, os petistas votaram majoritariamente contra a proposta, contrariando os líderes do centrão.

Governistas afirmam ainda que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem sido cooperativo na tentativa de aprovar a MP.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que, caso a medida provisória não seja aprovada, o Ministério da Fazenda já prepara um “arsenal de alternativas” para compensar a perda de arrecadação.

Segundo ele, no entanto, haveria consequências imediatas. A primeira seria o aumento do contingenciamento orçamentário na próxima reunião bimestral da Junta Orçamentária e Financeira.

Apesar de mencionar um arsenal alternativas, Randolfe disse que, na reunião com Lula, na tarde desta quarta, não foram apresentadas as possíveis soluções estudadas pela equipe econômica.

O senador reconheceu que a MP enfrenta resistência e terá dificuldade para passar. Ele atribuiu parte da dificuldade a uma “ação de sabotagem”, que, segundo ele, estaria sendo articulada por Tarcísio.

“Eu acho que ele tinha coisas mais importantes com que se preocupar, né? Parece que não há problema de segurança pública em São Paulo, me parece que não tem problema de pedágio em São Paulo, me parece que não tem problema de metanol em São Paulo. Aliás, de metanol ele até disse que não tem”, disse.

Como mostrou a Folha, a rejeição da MP deve causar um bloqueio nas despesas de 2025, incluindo emendas parlamentares, e abrir um impasse de R$ 35 bilhões no PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026.

A medida foi publicada pelo governo em junho para compensar a perda de arrecadação com a derrubada parcial do decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) -o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou inconstitucional o trecho que tributava o risco sacado (operação financeira onde um banco ou instituição antecipa pagamentos a fornecedores).