SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) publicou no último dia 24 um relatório de arbitragem. A análise de todas as partidas do primeiro turno do Campeonato Brasileiro apontava um retumbante sucesso: precisão de 99,79%.

Duas semanas depois, a confederação se vê diante de mais uma crise no apito. Os erros vistos no Nacional no fim de semana passado foram tão gritantes que ela contrariou a própria praxe e anunciou ainda no domingo (5), pouco após o término da 27ª rodada, o afastamento dos principais responsáveis pelo trabalho de campo e pelo VAR (sistema de árbitro de vídeo, na sigla em inglês) de duas partidas.

A suspensão imediata por causa de falhas claras foi uma resposta ao clamor popular e à pressão de dirigentes dos clubes prejudicados -neste caso, Grêmio e São Paulo. Mas foi também uma demonstração de que a alardeada precisão de 99,79% está distante da percepção do público, com protestos recorrentes.

A conta da Comissão de Arbitragem da CBF é baseada na avaliação de um grupo contratado por ela, intitulado CCEI (Comitê Consultivo de Especialistas Internacionais). Ele é composto por três ex-árbitros -o italiano Nicola Rizzoli, que apitou a final da Copa do Mundo de 2014, o argentino Néstor Pitana, que comandou a decisão do Mundial de 2018, e o brasileiro Sandro Meira Ricci- e apresenta relatórios tratados como “independentes”.

Pitana, Nicola e Ricci, segundo a CBF, analisaram “65 lances polêmicos” no primeiro turno, com “53 acertos”, o que resulta em um aproveitamento de 81,54%, arredondado pela confederação para 82%. Significa dizer que, pelas contas da própria confederação, duas de cada dez decisões tomadas pela arbitragem e pelo VAR em jogadas polêmicas foram erradas.

A entidade, então, parte para sua conta de 99,79%.

“Considerando que cada partida demanda, em média, 30 grandes decisões por parte dos árbitros, em 19 rodadas com 10 partidas, o número de grandes decisões é de 5.700. Dentro deste total, os 12 erros identificados pelo CCEI correspondem a 0,21% de todos os lances importantes”, diz a CBF, no texto publicado em seu site que apresenta o relatório.

O relatório, em si, traz a conclusão: “É possível afirmar que a arbitragem da CBF obteve um índice de acerto altíssimo”. E novamente aponta as “5.700 grandes decisões”, com “apenas 12 erros efetivos”.

O documento apresenta grande precisão, com duas casas decimais, com base nos 190 jogos do primeiro turno. E ignora que até sua publicação, em 24 de setembro, oito duelos do turno inicial ainda não haviam sido disputados -vários foram adiados por causa da participação de times brasileiros na Copa do Mundo de Clubes.

Questionada pela Folha, a CBF afirmou que “o relatório aborda o primeiro turno de uma competição que possui 380 partidas”. “Por uma questão de estimativa, citou-se o número referente à metade de jogos da competição, considerando dados obtidos nas partidas registradas e nos pareceres do CCEI emitidos até o momento”, respondeu.

Sobre a premissa de que o árbitro toma 30 grandes decisões por jogo, a confederação disse: “A Fifa, em seus treinamentos, assim como a CBF, leva essa média em conta. É importante salientar que trata-se de um conceito subjetivo, algo comum no futebol. Uma grande decisão no Brasil pode não ser considerada como tal em outra liga, e vice-versa”.

A arbitragem brasileira vive seu momento de maior crise desde a eleição de Samir Xaud como presidente da CBF, em maio. No domingo, de Seul, onde acompanha a seleção brasileira, ele teve de fazer uma ligação com o presidente do São Paulo, Julio Casares, para acalmá-lo. Na terça, o executivo do futebol do Grêmio, Luiz Vagner Vivian, esteve no Rio de Janeiro e foi recebido pelo diretor-executivo da confederação, Helder Melillo, para tratar do apito.

Xaud deixou claro a interlocutores que está insatisfeito, apesar do recente relatório. Ele já teve choques com o chefe da Comissão de Arbitragem, o ex-árbitro Rodrigo Martins Cintra, que é contra o afastamento de juízes por causa de erros e foi novamente contra no domingo. O presidente bateu o pé e exigiu essa resolução.

Rodrigo foi alçado à chefia da comissão pelo antecessor de Xaud, Ednaldo Rodrigues, que em fevereiro, em outro momento de crise, demitiu Wilson Luiz Seneme da função e promoveu uma reformulação. Uma das medidas foi a criação da CCEI, que tem visto muito mais acertos do que erros. E cuja avaliação permitiu à CBF publicar que houve acerto de 99,79% no primeiro turno.

“O dado se baseia nos números coletados para a elaboração do relatório e referendados pelo CCEI, que apontam acerto de 99% de acerto sobre todas as decisões tomadas por árbitros até aquele momento da competição, o que inclui desde as decisões em lances capitais como as decisões em lances de menor impacto, como marcação de faltas, laterais, tiros de meta e afins”, afirmou a confederação, indagada pela reportagem.

“A prova da boa condução por parte da arbitragem na competição é a participação dos clubes nas reuniões do Fórum Permanente todas as segundas-feiras, que registra alta adesão de participantes, que, em sua maioria, não trazem lances para discussão ou decisões polêmicos, além de trazer relatos e feedbacks positivos sobre as equipes de arbitragem de suas partidas. Os equívocos aconteceram e acontecem, mas trata-se de desvios-padrão e em número consideravelmente menor que antigamente”, acrescentou.

Em sua resposta, a confederação disse ainda que tem investido em tecnologia e “trabalhado com o conceito de educação continuada”, com seminários e treinamentos. Afirmou também que os “árbitros brasileiros possuem excelente nível técnico e reconhecimento internacional” e apontou exagero nas críticas.

“A Comissão de Arbitragem entende as críticas como legítimas e naturais, mas é preciso atentar ao fato de que a intolerância em relação aos equívocos esportivos cometidos por árbitros de futebol tem cada vez mais servido de pretexto para insinuações sérias e graves”, afirmou.

“Esta conduta prejudica a performance do árbitro e coloca em risco a renovação do quadro de arbitragem, pois torna cada vez mais difícil encontrar jovens dispostos a iniciar uma carreira onde o excesso de exposição e falta de garantias sejam algo tão latente. […] A superexposição midiática, seja em redes sociais, sites ou veículos da imprensa tradicional, fazem muitos repensarem a continuidade da trajetória profissional”, concluiu a CBF.