SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na literatura médica, já há um entendimento que doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, são agravadas pelas mudanças climáticas extremas. Agora, uma pesquisa mostrou que 32% da população da Amazônia Legal percebe este risco e sente das mudanças na pele.

Entre os entrevistados que se identificam como parte de povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, entre outros, a percepção de já ter sido diretamente afetado pelas mudanças do clima é ainda maior, chegando a 42,2%.

Os dados fazem parte do relatório “Mais Dados Mais Saúde – Clima e Saúde na Amazônia Legal”, realizado pela Umane, associação que auxilia iniciativas voltadas à promoção da saúde, e pela Vital Strategies, com apoio do Instituto Devive. Ao todo, 4.037 pessoas foram ouvidas entre maio e julho de 2025. A Amazônia Legal engloba Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, parte do Maranhão e Mato Grosso.

“O desenvolvimento que vem sendo feito na Amazônia é muito contraintuitivo. É com mega-hidrelétricas, pecuária, agronegócio, desmatamento. Esse é um modelo de desenvolvimento excludente e prejudicial ao meio ambiente”, diz Luciana Vasconcelos Sardinha, responsável técnica pela pesquisa.

Também diretora de doenças crônicas da Vital Strategies, ela diz que “os eventos climáticos causados pelo modelo de desenvolvimento, principalmente a seca, fazem a população vulnerável perder produções e impactam na escassez para aqueles que conseguiam coletar alimentos onde moravam”.

Com isso, há o aumento no preço dos alimentos, algo que é perceptível para 73% dos respondentes do relatório. Como consequência, insumos naturais são substituídos por ultraprocessados, mais baratos e menos nutritivos.

64,7% dos respondentes disseram ter vivenciado ondas de calor, com temperaturas acima da média local, e cerca de um terço afirmou ter acompanhado eventos climáticos de seca persistente, agravada por mais calor e menos chuva (29,6%), seguido de incêndios florestais com fumaça intensa impactando as atividades diárias (29,2%), desmatamento ambiental (28,7%) e piora da qualidade do ar (26,7%).

A maioria dos respondentes (75%) também disse perceber a poluição do ar. Segundo Luciana, esta mudança afeta a qualidade de vida na totalidade, em especial as crianças moradoras das regiões metropolitanas. “A fuligem da poluição, repleta de minerais pesados, cai na terra, as crianças colocam as mãos e as doenças respiratórias acabam sendo muito mais agravadas”.

Como consequência, a pesquisa mostrou que a ansiedade climática —respostas emocionais negativas associadas à conscientização sobre as mudanças climáticas— está presente na população da Amazônia Legal. 38,4% dos respondentes disseram sentir culpa por desperdiçar energia.

Por outro lado, o relatório mostrou também que a população vem transformando esta culpa em ações, já que 64% dos residentes disseram que costumam separar o lixo para reciclagem, prática ainda mais comum entre povos e comunidades tradicionais (70,1%), e três em cada quatro pessoas (74,9%) têm o hábito de desligar as luzes.

Segundo a pesquisa, a crença de que é possível agir para resolver o problema das mudanças climáticas foi maior entre os pertencentes a povos e comunidades tradicionais (55,7%), contra 39,8% dos demais.

Este engajamento pode ser um fator de incentivo para os elaboradores de políticas públicas, diz Luciana. “Os povos tradicionais já estão se mobilizando. A gente precisa beber um pouco dessa experiência para poder fazer políticas consistentes.”

Um exemplo disso foi relatado no 7º Fórum de Políticas Públicas de Saúde na Infância, que aconteceu na terça-feira (30), em São Paulo.

Adelina Fidelis, liderança indígena e presidente da Mapana, associação de mulheres do povo Ticuna, da fronteira das margens do rio Solimões, disse que, como alternativa aos alimentos processados que vinham sendo servidos nas escolas, ela e a associação conseguiram que os produtos da própria comunidade fossem incluídos no cardápio regional por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

No evento, Adelina criticou a presença de industrializados e de comidas sem repertório cultural, como refrigerantes, nas merendas dos jovens de sua comunidade. “Na escola tradicional, não podemos deixar de ter alimento tradicional. A escola precisa ter a nossa cultura alimentar.”

“A pesquisa mostra que a gente precisa dar visibilidade para esse povo na hora de produzir as políticas para as cinco regiões”, completa Luciana.

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.