SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se fosse professora universitária, Julia Roberts sabe exatamente que tipo de conteúdo lecionaria. “Gostaria de dar nova vida ao departamento de economia doméstica”, diz, bem humorada, durante bate-papo com a imprensa internacional, do qual a reportagem participou. “[Ensinaria] habilidades essenciais para a vida, tipo ‘como preencher um cheque’ (risos).”

Em “Depois da Caçada”, que estreia na quinta-feira (9) nos cinemas de São Paulo e do Rio, ela volta às salas de aula como Alma, que almeja ser efetivada no curso de filosofia da Universidade de Yale -uma das mais prestigiadas dos EUA. A intelectual se vê diante de um dilema após Maggie (Ayo Edebiri), sua orientanda de pós-doutorado, acusar Hank (Andrew Garfield), seu colega e amigo pessoal, de assédio.

“Alma era tão estranha, complicada e desafiadora para mim”, comenta a atriz, apontando o diretor Luca Guadagnino como o grande responsável por ela ter aceitado participar do projeto. “Ele me fez sentir muito empolgada com as possibilidades desse tipo de retrato, mas também profundamente encorajada e apoiada. Ele simplesmente acreditava em mim antes mesmo de eu saber o que estávamos fazendo.”

Estrelas de primeira grandeza em Hollywood, Julia deixa entrever que, mesmo alguém com uma carreira consagrada como a dela, fica insegura ao encarar um trabalho como esses. “Todos aqueles medos que tenho cada vez que faço um filme voltam ainda mais fortes, especialmente porque sou muito exigente e espero por algo que vai ser realmente difícil de fazer”, diz.

Ela afirma que o frio na barriga a perseguiu durante todo o projeto. “Sabe, tem um momento entre aceitar um papel e fazer o papel que é a melhor parte, por você simplesmente aceita e ‘uau, fechei um ótimo filme com Luca Guadagnino e ainda não tive que fazer nada’. Só que depois chega uma hora que você pensa: ‘Droga, agora vou ter mesmo que fazer (risos)’.”

Guadagnino, que só em 2024 lançou “Rivais” e “Queer”, conta que não estava planejando rodar nada tão cedo, mas que leu o roteiro de Nora Garrett e ficou impressionado com a qualidade da escrita e com as descrições do universo acadêmico. Isso ocorreu pouco antes da primeira conversa com Julia, o que acabou fazendo o projeto ganhar vida muito rápido.

“Quando esse encontro aconteceu, tornou-se inevitável fazer o filme porque ela queria fazê-lo, e nós queríamos fazê-lo juntos”, comenta.

Depois, o resto do elenco foi chegando, e o filme começou a tomar forma. Se nas telas Alma pode ser percebida como um tanto insensível diante de Maggie, Julia fez questão de diferenciar a relação entre ela e a colega de cena. “Posso sentar na minha cozinha e imaginar Ayo sentada perto de mim muito claramente, e isso me aquece de uma maneira tão profunda”, afirma. “Sim, eu te amo.”

Ayo, que ficou conhecida como a cozinheira Sydney de “O Urso”, avalia que sua personagem no filme é um pouco produto de seu tempo e que as diversas reações ao que ela diz ter ocorrido são muito pautadas pelas diferenças geracionais. Ela entende, no entanto, que se trata de alguém com uma jovem com um objetivo.

“Não sei se Maggie seria minha amiga, para ser honesta”, conta. “Porque acho que ela é muito deliberada a respeito de quem ela cerca e por quê. Mesmo em algumas das cenas em que seu grupo de amigos aparece… Luca e eu conversamos sobre quem estava lá e por quê, e o motivo de não haver mulheres negras lá. Isso é de propósito. Trabalhar com Luca é assim. Tudo é profundamente intencional.”

A atriz destaca ainda como o filme lida com temas importantes, despertando reflexões, mas sem tentar fechar questão sobre nada. Ela define o roteiro como “uma tapeçaria incrivelmente estranha de gênero, política, raça e classe”. “Para mim, pessoalmente, o que chama a atenção são essas discussões que ele gera”, afirma. “Ele dá espaço para conversas e para nuances.”

Apesar de a história de Maggie não ser tão diferente de muitas que ocorreram em diversas universidades mundo afora, a roteirista Nora Garrett diz que não se inspirou em nenhum caso real. “Só depois é que descobri mais especificamente coisas que aconteceram, inclusive na própria Yale”, comenta. “Sinto que se trata apenas uma dessas simetrias estranhas e fortuitas que ocorrem.”

Ela conta que a principal dificuldade na hora de criar a trama foi fazer os diálogos entre os verborrágicos acadêmicos do filme, que usam citações a autores diversos e, às vezes, podem soar um pouco pretensiosos (ou mesmo ininteligíveis). Porém, ela teve uma ajudinha com isso.

“Muitas das falas do roteiro nasceram de coisas que ouvi, que testemunhei, de conversas das quais fiz parte perifericamente”, lembra. “Minha prima também está fazendo mestrado em filosofia em Stanford e me enviava os emails que recebia de professores sobre palestras que estavam organizando. A linguagem era tão intratável que eu realmente tive que trabalhar muito. Ela foi um recurso maravilhoso para me mostrar como essas pessoas falam na vida real.”

Para Guadagnino, a roteirista alcançou um equilíbrio incomum e que funciona muito bem para o que ele queria no longa. “A grandeza do diálogo da Nora é que são pessoas falando em uma linguagem que é impenetrável, mas testemunhá-lo é superdivertido”, avalia. “Até porque não necessariamente nos importamos com o que eles estão dizendo.”

“Poderíamos nos importar se estudássemos Foucault ou algo assim”, explica. “Mas o interessante são essas máscaras que eles estão usando; a maneira como eles falam é quase um cabo de guerra, um jogo de poder.”

“DEPOIS DA CAÇADA”

Quando Estreia 9/10 nos cinemas de São Paulo e do Rio; e 16/10 nas demais cidades

Classificação 16 anos

Elenco Julia Roberts,Ayo Edebiri, Andrew Garfield, Michael Stuhlbarg, Chloë Sevigny e Lio Mehiel, entre outros

Direção Luca Guadagnino