VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Imagine que um míssil nuclear foi disparado contra o seu país. Ninguém consegue descobrir de onde veio, e apesar de tentativas de abatê-lo, o projétil segue seu trajeto. Em menos de 20 minutos vai destruir um centro urbano e matar milhões de pessoas. O que fazer?

Ou, mais precisamente: como evitar que essa situação imaginária algum dia aconteça, sobretudo nos tempos atuais? Eis o principal questionamento proposto por “Casa de Dinamite”, longa da cineasta americana Kathryn Bigelow que chega aos cinemas no dia 9, e na Netflix estreia dia 24.

“Minha preocupação com a situação nuclear me motivou a fazer este filme”, disse a diretora, quando promoveu o longa no mês passado, no Festival de Veneza.

“Minha esperança é que haja diálogo agora, porque parece que não houve nenhum por décadas, afinal a ameaça nuclear não dava a impressão de estar realmente presente”, diz Bigelow, que se lembra de como tudo era diferente em sua infância, nos anos 1960, o quanto o tema costumava ser debatido. “Eu sinto que precisamos começar a falar sobre isso. Todos nós.”

No filme, em uma manhã aparentemente comum, uma base militar no Alasca percebe que um míssil intercontinental está a caminho do solo americano. Se nada for feito, cairá sobre Chicago, devastando a região metropolitana da cidade e causando a morte de 20 milhões de pessoas.

Sem saber o motivo e nem quem enviou -as suspeitas de que possa ter sido Rússia ou Coreia do Norte não possuem robustez o suficiente-, todas as esferas ligadas à defesa do país precisam pensar rápido e se organizar para evitar a catástrofe a tempo. O filme transita entre diversos ambientes, incluindo a Casa Branca, o Pentágono e bases militares -com conversas cheias de siglas e jargões militares e administrativos que por vezes confundem, mas com um sentimento de desespero generalizado que é facilmente perceptível por qualquer espectador.

No fim das contas, quem precisa tomar a decisão de como reagir é a figura do presidente da República, interpretado por Idris Elba. Mas tanto o ator quanto a cineasta tiveram cuidado especial para que o chefe de Estado do longa não se parecesse com algum presidente em específico. “Achamos que seria uma distração tentar imitar qualquer presidente que já existiu. Seria um passo em falso”, diz Elba, ressaltando a importância de destacar que, acima de tudo, naquele momento era um ser humano diante de uma decisão importante.

“Precisava ser uma figura com a qual o espectador pudesse ter alguma identificação, que o fizesse conseguir se imaginar naquela situação, pensando: ‘o que eu faria em seu lugar?’. Então, esse foi realmente um dos pensamentos por trás desse personagem”, explica o ator.

Bigelow diz que, apesar de a trama ser fictícia, tudo o que o longa mostra sobre a segurança nos Estados Unidos é como na vida real. As informações são em geral abertas e disponíveis a qualquer um, saber em detalhes o funcionamento da engrenagem da defesa do país foi possível sobretudo porque o roteirista, Noah Oppenheim, tem ótimo trânsito nesse universo.

Nem precisava se aprofundar para saber que uma eventual retaliação americana poderia iniciar um processo de destruição planetária, mas o que talvez mais tenha assustado a cineasta foi perceber o quanto o poder de decidir fica concentrado nas mãos de uma única pessoa.

“Nos Estados Unidos, o presidente tem autoridade exclusiva para tomar a decisão. Não é um consenso, um grupo de pessoas que precisa concordar: é só o presidente. E isso é algo que eu acho perturbador, e muitas pessoas envolvidas na comunidade da ameaça nuclear concordam comigo.

“Casa de Dinamite” expõe a todo tempo o quanto a questão nuclear ameaça a sociedade americana, e por vezes pode deixar a impressão de que o filme ignora o quanto outros países também podem sofrer com ela. “Só posso trabalhar a partir da minha perspectiva e do acesso que eu tinha”, defende-se a cineasta. “Mas, ao mesmo tempo, é possível extrapolar que a situação pode se aplicar a outros países. E que a resposta para esses problemas é global.”

Bigelow começou a carreira ainda na década de 1980, e no início fazia filmes cheios de adrenalina, como “Caçadores de Emoção”, de 1991, ao qual ela se refere como “uma dessas peças de entretenimento de que tanto gosto”.

Mas sua carreira mudou por completo depois de “Guerra ao Terror”, de 2009, não só pela temática mais ancorada na realidade -no caso, sobre a ocupação americana no Iraque- mas também pelo que o filme lhe proporcionou: ser a primeira mulher a ganhar um Oscar de direção.

Da noite de premiação, não se lembra de quase nada. “Fiquei completamente em choque. Não imaginava que aquilo fosse acontecer”, confessa. “Guardo a estatueta no meu escritório. Fica lá, para me dar carinho de vez em quando.”

A mudança de foco para temáticas mais políticas, ao que parece, é um caminho sem volta. “Sinto que o cinema é um meio incrivelmente poderoso. É uma oportunidade para iniciar conversas. E a intersecção entre arte e jornalismo é um sistema de entrega de informações importantes. Então eu quero aproveitar o que esse meio tem a oferecer.”

CASA DE DINAMITE

Quando Estreia nesta qui. (9) nos cinemas; Disponível na Netflix a partir do dia 24

Classificação 16 anos

Elenco Anthony Ramos, Idris Elba e Rebecca Ferguson

Produção Estados Unidos, 2025

Direção Kathryn Bigelow