SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A paralisação do governo americano causada pela falta de consenso no Congresso sobre o orçamento federal já afeta os serviços do governo dos EUA, mas foi por outro ângulo que Trump ganhou espaço na mídia na última sexta (3): um vídeo feito com inteligência artificial no qual exalta a atuação de um de seus mais altos funcionários.
O material foi publicado na Truth Social, rede social do mandatário americano, na qual não há regras sobre a divulgação de materiais produzidos com IA.
O deepfake um vídeo gerado com IA copiando a aparência de alguém (o próprio Trump no caso) mostra o presidente americano tocando percussão para Russ Vought, o diretor do escritório de gestão e orçamento dos EU, que, vestido como a Morte, corta gastos com uma foice.
O post de Trump é um corte de vídeo feito, pelo influenciador Brenden Dilley, o líder do Dilley Meme Team, uma autodeclarada milícia online de Trump formada por 21 contas espalhadas entre X, Rumble e Truth Social. Subiu primeiro na rede social Rumble, que não impõe moderação.
O discurso oficial da Casa Branca, assinado por Vought, é que o fechamento da máquina pública é uma oportunidade para demitir servidores públicos culpando os democratas por não aceitarem o orçamento. Ao mesmo tempo, um levantamento da YouGov encomendado pela Economist mostra que a maioria da população americana liga a piora dos serviços à atuação do Partido Republicano, de Trump.
Em vez de tratar do assunto, o presidente americano publicou uma sequência de vídeos de IA, da qual o vídeo de Vought foi o primeiro. Depois, apareceu com as vestes jedi de Star Wars em frente a um precipício e, na sequência, arremessando bonés na cabeça de apoiadores no salão oval da Casa Branca tudo era artificial.
O episódio não é inédito, uma vez que Trump divulgou montagens de democratas vestindo sombreiros mexicanos depois de ter sua proposta de orçamento recusada e publicou um vídeo de IA de uma suposta “riviera Palestina” com homens árabes vestidos de dançarinas do ventre.
Para a fundadora da agência de checagem Lupa, Cristina Tardáguila, Trump usa esse material que beira o ofensivo como uma tática diversionista para ditar a pauta dos veículos de comunicação.
Segundo a plataforma de monitoramento Palver, os vídeos repercutem mais na imprensa do que nas redes sociais. Uma busca que relacionava Vought ao meme “Reaper” (o “Ceifador”, personagem que representa a morte) na plataforma Palver retornou 406 artigos noticiosos e zero menções em grupos de WhatsApp e Telegram brasileiros monitorados o número também é zero entre contas brasileiras relevantes no X (ex-Twitter) e no Instagram.
Uma busca do vídeo no X mostra que a maior repercussão do vídeo, além da republicação por Trump, foi em uma parcela da bolha trumpista. No TikTok, tampouco houve grande repercussão. Ao mesmo tempo, o assunto foi tema de episódio do podcast diário do New York Times, o Daily.
Tardáguila compara essa operação aos factoides criados pelo ex-prefeito carioca Cesar Maia, que proibiu videogames violentos e criticou o horário de verão durante momentos de crise. Na era das redes sociais, essa tática recebe o nome de “trolling”, em referência a “troll”, monstro nórdico conhecido por ser traiçoeiro. O troll é o usuário de internet que publica material ofensivo para chamar atenção.
Dilley, o autor original do vídeo, se identifica como um “mestre troll”.
Na imprensa, sobretudo americana, o vídeo de Vought chocou por usar uma paródia feita com IA de uma famosa música americana protegida por direitos autorais ”(Dont Fear) the Reaper” da banda Blue Öyster Cult.
Em sua página oficial no Facebook, a banda disse que não foi notificada do uso da própria música, que foi base da paródia feita com IA divulgada por Trump. “Os direitos autorais da música pertencem 100% à Sony Music, e a banda Blue Oyster Cult não tem direito algum sobre o uso da faixa.”
Procurada, a Sony não quis comentar o caso.
No YouTube, por exemplo, onde há regras rígidas contra reprodução de imagens e sons protegidos por direitos autorais, o vídeo seria derrubado pela moderação.
O videocast de Dilley também está online no Spotify desde o dia 3 de outubro. A plataforma de streaming de música, que implementou regras para impedir que artistas tenham a voz copiada em músicas geradas com IA, não respondeu aos questionamentos da Folha.
Os 21 membros da autodeclarada milícia digital Dilley Meme Team produzem memes, divulgam-nos de forma organizada na rede e, de acordo com a descrição de sua página, levam com frequência suas criações às contas do presidente Trump e até a comícios presidenciais.
Ainda segundo Dilley, o grupo consegue dinheiro nas redes com publicidade programática e venda direta de anúncios e direciona parte das receitas ao diretório do presidente americano. Na corrida presidencial de 2024, uma empresa em nome do influenciador doou US$ 7.000 à campanha de Trump.
Dilley disse em podcast que já recebeu intimações por usar músicas sem autorização, mas nunca teve de retirar nada do ar. “Vou limpar o traseiro com as intimações”, afirmou. Procurado pela Folha nas redes sociais e via email, ele não respondeu.
Segundo o ativista, as músicas são feitas com trilha sonora de karaokê e a letra e a canção são feitas com ferramentas de IA ele não mencionou quais. O uso de trilhas sonoras de karaokê para fazer paródias é permitido na jurisprudência dos Estados Unidos.
Porém, segundo Dilley, a maior proteção desse conteúdo é o próprio Trump: “Depois que o presidente posta, quero ver pedirem que remova o vídeo”, disse.